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'Fortaleza Hotel' traz o inadiável protagonismo de Clébia Sousa

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Fortaleza Hotel é protagonizado pela atriz pernambucana Clebia Sousa
Nesta quinta-feira, chega às salas do Cinema da Fundação o filme Fortaleza Hotel, dirigido por Armando Praça. Trata-se de um apurado melodrama, pautado pelos conflitos que emanam das nossas dificuldades de se comunicar com um o outro e, por consequência, se conectar a diferentes realidades. A produção cearense é conduzida dramaticamente pela força expressiva de uma já veterana do cinema pernambucano contemporâneo que agora pôde, pela primeira vez, se tornar protagonista de um longa. Natural de Limoeiro, no agreste do estado, Clébia Sousa teve a oportunidade de empregar seu já conhecido magnetismo dramático em um tempo de tela precioso e justo para seu talento. 

“Eu fiquei muito feliz, já estou fazendo cinema há mais de 10 anos, fiz muitos filmes importantes e esse era um momento que esperava há muito tempo. Eu me senti muito lisonjeada, em especial por ter sido escolhida por um diretor que não me conhece pessoalmente, apenas o meu trabalho. Mas também vem o peso da responsabilidade, de guiar essa história, de se eu não fizer um bom trabalho, eu comprometo uma equipe inteira. Então mergulhei nessa personagem, fui atrás de viver os espaços que ela vivia e me preparei muito”, afirma Clébia, em entrevista ao Viver.

Ela vive Pilar, camareira de um simplório hotel que está às vésperas de sair do país para morar na Irlanda. Contudo, sua vida se cruza com a de Shin, uma mulher sul-coreana que veio ao país para levar de volta o corpo de seu falecido marido. Desses primeiros contatos, nasce uma relação conduzida pela necessidade de se comunicar e se solidarizar, mas que vai se complicando a partir de eventos traumáticos que perpassam os núcleos familiares das duas mulheres, tensionando suas diferenças de classe e origens.
 
 

Ao fazer os primeiros testes para viver Pilar, Clebia não sabia de sua dimensão de protagonista no filme. Nesse processo de seleção, criou improvisos a partir do que sabia da personagem que não só encantaram o diretor, como também foram incorporados no filme. A atriz então embarcou para Fortaleza para discutir a construção de Pilar com o diretor e a equipe do filme. 

“No meu processo de criação, eu costumo dizer que sou muito nerd. Eu leio e analiso muito o roteiro, tento entender o filme para depois trazer pro corpo. Não só o que está explícito, mas a relação com outros personagens, como ela é vista pelos outros, os espaços que ela frequenta e o subtexto. A partir daí, trago minhas próprias referências, que acho que fazem sentido para a questão emocional e para o corpo dela, em suas camadas”, explica a atriz. Ela incorporou, por exemplo, a estranheza e a incomunicabilidade com sua parceira de cena coreana, que assim como a pernambucana, não possui um inglês fluente, e foi construindo uma relação cronológica de intimidade, que se reflete na trama do filme. 

Clebia participou de muitos filmes dramaticamente muito coletivos, conduzidos por corais de personagens, à exemplo de títulos como Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, e Tatuagem, de Hilton Lacerda. Mas agora, em seu primeiro longa como protagonista, enfrenta o desafio de trabalhar não só em uma obra de poucos personagens, mas também em uma visualmente mais fechada, que tem no constante enquadramento de seu rosto uma de suas principais forças. 

Mesmo com a câmera sempre tão perto de sua face, a atriz diz que sua concentração no trabalho é tanta que não chega a ser um incômodo ou algo que traz inseguranças. “Eu tento não entrar muito em uma questão de ego e vaidade, em como vai estar minha imagem. Nos concentramos em jogar junto com os outros atores, simplesmente estive presente vivendo a história de Pilar”, elabora. 

É uma desenvoltura que vem sendo maturada  por anos. No processo de se descobrir como atriz, nunca imaginou que faria cinema, achava algo inacessível. Ainda na faculdade de artes cênicas, na UFPE, fez um teste para um filme e acabou sendo selecionada. Era O Som ao Redor, primeiro longa de ficção de Kleber Mendonça Filho. A partir de então, trabalhou com os mais plurais nomes do cinema local, dos longas de uma geração que abarca nomes como Hilton Lacerda e Gabriel Mascaro à cineastas mais jovens, como a dupla Enock Carvalho e Matheus Farias ou Igor Travassos e Juliana Soares.
 
 

Seu talento sempre foi aclamado pelos cineastas com quem trabalhou em Pernambuco, mas seu protagonismo em um longa acabou vindo pelo trabalho de um cineasta de outro estado. Ela ressalta como se sente lisonjeada pelo convite vindo de fora, mas a partir disso faz algumas observações sobre o circuito de produção pernambucanas e sua relação com atores locais. Clebia aponta que há uma um certa preferência por atores de outros estados, com experiência em televisão que, de um ponto de vista comercial, são capazes de atrair um público fora da bolha para o cinema pernambucano, mas que esse é um critério muito pequeno e que ainda é atravessado por diversas outras questões. 

“Quando a gente vê esse boom no cinema pernambucano, vemos também ele surgindo muito em torno de personagens centrais masculinos e aos poucos, trouxemos personagens femininos como protagonistas. Mas ainda assim acho que falta muita oportunidade para os atores locais nesse lugar de mais tempo de câmera. O pessoal brinca dizendo que estou em todo filme pernambucano, mas em que lugar eu estou nesse filme? Será que não podemos estar nesses lugares de destaque? Já que fizemos tantos filmes e todo mundo conhece nosso trabalho?”, questiona Clebia, apontando ainda que, além das questões comerciais, ainda há atravessamentos de gênero e raça nas equipes dessas produções.

“Falta oportunidade para as mulheres no lugar de destaque, faltam mais mulheres tendo oportunidade de dirigir e roteirizar. A mulher está nesse lugar do figurino, da produção executiva, da que cuida. São poucas nesse lugar de direção, ainda mais se formos pensar em mulheres negras ou indígenas. Viola Davis fala sobre como o que falta para a mulher negra é oportunidade. Algo que torna uma grande surpresa eu ter sido escolhida por um diretor que não me conhecia e que apostou no meu trabalho. Eu gostaria que essa oportunidade tivesse vindo antes e em Pernambuco, mas é isso, também acho que cada um tem o seu tempo e as coisas vão acontecendo”, conclui.