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'Não Olhe para Cima' tenta se encontrar em um tom específico de farsa

Ao dirigir o oscarizado A Grande Aposta, de 2015, o cineasta Adam Mckay mostrou que estava iniciando um processo de busca por uma nova voz autoral para seu cinema, calcada na criação de um tom muito específico entre o farsesco e o realista. Oriundo de comédias mais escrachadas, em uma longa parceria que teve com o ator Will Ferrell, o diretor partiu desde então para uma produção de obras calcadas em extrair o que há de mais caricatural em universos dramáticos permeados pela burocracia, como o mercado financeiro no longa de 2015 ou os bastidores do poder executivo em Vice, cinebiografia do ex-vice presidente dos Estados Unidos Dick Cheney.
Contudo, esse entretom específico proposto por Mckay parece ser mais uma busca do que uma abordagem estética da qual já se encontra bem seguro. É uma espécie de experimentações em busca desse equilíbrio entre o rídiculo e o burocrático que possui aspectos bem cativantes, mas que também apresenta outros bastantes frágeis. É o que prova seu novo filme, Não Olhe para Cima, lançado pela Netflix no último natal. Dono de um frisson já sazonal que permeia alguns lançamentos do serviço de streaming, o novo título de Mckay apresenta uma espécie de inversão formal ao que vinha propondo, mas ainda carregando seus méritos e suas fragilidades.
Não Olhe para Cima inverte um pouco o eixo disso tudo ao já partir para o absurdo em sua gênese narrativa, agora não mais pautada em eventos e pessoais reais. A singela trama gira em torno de uma dupla de cientistas que descobriu um cometa em rota de colisão com a Terra, pronto para destruir a vida no planeta, iniciando uma luta para alertar autoridades e a população sobre o perigo eminente, mas constantemente frustrados por governantes e por vozes de forte apelo popular, que tentam minimizar a situação.
Nesse sentido, o caricatural já parte da própria essência dramática de cada personagem, que se empenham em uma escalada no tom farsesco da coisa desde suas primeiras aparições, mas dentro de uma encenação até comedida do diretor, com imagens mais estáveis e com um nível bem menor de intervenções gráficas e dramáticas, as quais vem se tornando elementos recorrentes de seu cinema. Agora, o espetáculo emana do próprio drama, a partir das dinâmicas de personagens caricaturais que se firmam bem pela rápida identificação de onde vem suas inspirações e até mesmo pela obviedade disso tudo, apoiados ainda pelo trabalho de nomes do porte de Meryl Streep, Leonardo DiCaprio e Jonah Hill.
Contudo, ao estabelecer bem esse tom um tanto quanto ambíguo, Não Olhe para Cima parece não saber o que fazer com isso. Ele se estende por quase duas horas e meia na repetição e esgotamento desse vórtice de absurdo, mas o faz de uma forma pragmática demais, escorada nesta fácil identificação que seu drama possui com o mundo atual. O que sobra então é apenas a caricatura pela caricatura e um justo, mas óbvio, empenho moral de sua narrativa. Sua verve mais experimental acaba se esgotando fácil demais e seu encenação cai numa apatia estéril.
Não Olhe para Cima acaba sendo um dos mais singelos filmes dessa safra de Mckay dos últimos cinco anos, enfatizando que o diretor parece ainda não estar totalmente no controle da busca que empreende. Chega a ser um filme até complacente em certo nível na forma com que lida com essa ideia do espetáculo farsesco que parte dos aspectos mais burocráticos da vida institucional americana, mesmo que pautando aos montes o debate nas redes ao seu redor poucos dias depois de seu lançamento. Chegou ao ponto de se tornar um dos raros casos em que a Netflix divulga suas métricas de audiência. Um tanto quanto irônico isso acontecer em uma narrativa que tem como eixo central a falta de transparência e omissão de atores políticos e econômicos dos Estados Unidos.