{{channel}}
Um pouco de Lailson de Holanda em tudo

O início de Lailson nas charges foi ainda na adolescência, quando morava nos Estados Unidos, publicando no jornal escolar The Pine Cone, no estado do Arkansas. Em Pernambuco, publicou no Jornal da Cidade no começo dos anos 1970, mas foi em outra publicação que seu humor e seus desenhos ganharam uma grande impulsão: a página de humor Papa-Figo, publicada em seus primeiros anos no Jornal da Semana e que em seguida ganhou formato avulso independente.
“A gente se reunia na casa de Lailson, no Espinheiro, e era uma criação coletiva. A gente não gostava de chargista editorial, que vê o que o jornal vai publicar e faz algo em cima. A gente gostava de fazer nosso trabalho em cima do que estava na boca do povo, e Lailson era muito bom nisso”, relata Manoel Bione, um dos cofundadores do Papa-Figo, ao lado de nomes como Ral e Paulo Santos. Dentre os criadores de humor gráfico da publicação, o colega de trabalho considerava o traço de Lailson como fino e rebuscado, além do texto ferino.
Em pouco tempo, seu nome e seu humor já eram reconhecidos nacionalmente. “Na noite de sábado, 30 milhões de brasileiros ouviram o nome de Lailson de Holanda Cavalcanti, do Recife. Dentre esses espectadores, se incluía o próprio. Foi anunciado o vencedor do Quarto Salão de Humor de Piracicaba”, noticiava o Diario de Pernambuco, em agosto de 1977, ao ser reconhecido entre 417 cartuns de 12 países no mais importante prêmio do humor gráfico brasileiro. Na ocasião, ele declarou que o mercado de trabalho no Recife era difícil para os ilustradores.
Nesse meio tempo, Lailson viu seu trabalho alcançar vitrines importantes como O Pasquim - que passou a publicar O Papa-Figo nos anos 1980 - , lenda do jornalismo alternativo e humorístico do país, por onde passaram nomes como Jaguar, Henfil e Ziraldo, participando também de reuniões posteriores do grupo, como na Revista Bundas e O Pasquim 21. Também colaborou com a edição brasileira da popular revista Mad e teve sua obra publicada em jornais e revistas do mundo todo.
Se dedicou também ao humor gráfico não só enquanto artista, mas também como pesquisador, produzindo trabalhos sobre o tema pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pela Universidade de Alcalá, na Espanha. Foi membro fundador da Associação Brasileira dos Cartunistas e criador/curador de diversos festivais, como o Salão Nacional de Humor de Pernambuco e o Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco. Também se dedicou a produzir biografias, seja em quadrinhos, como foi o caso de Joaquim Nabuco em A Voz da Abolição, publicado pela editora Massangana em 2010, ou em texto, com Magdalena Arraes: A dama da história, escrito ao lado de Valda Colares e publicado pela Cepe Editora.
O Diario de Pernambuco convidou alguns colegas de ofício de Lailson de Holanda para registrar uma homenagem. Como o tempo foi curto, nem todos que se dispuseram a fazer conseguiram enviar o material, mas ficam aqui os belos registros de Samuca, Jarbas e Clériston, e de Silvino na página 12.
Depoimentos
"O que ele deixa de maior legado é ser esse exemplo de pessoa. De honestidade, de bom humor, de alguém que sempre lutou por justiça social e que tentava trazer o humor para transformar as pessoas. Ele era uma pessoa muito sensível, mas muito alegre, sempre tinha uma piada para contar, tinha uma graça imensa para lidar com as situações mais difíceis."
Isabela de Holanda, filha de Lailson
"Foi um choque, porque eu estava na casa dele na sexta retrasada e no domingo ele foi internado. E agora veio a falecer. Ultimamente, a gente estava fazendo muitas parcerias aqui no estúdio aqui em casa, compondo, tocando músicas antigas e fazendo músicas novas. Eu também acabei de escrever um livro, e ele que desenhou a capa e escreveu a orelha. Era uma relação de arte e amizade muito grande."
Zé da Flauta, músico
“Lá se foi Lailson, um dos maiores e mais geniais cartunistas brasileiros, além de músico parceiro de Lula Côrtes. Descanse em paz, amigo.”
Xico Sá, jornalista e escritor
"É com tristeza que soube do falecimento do cartunista Lailson, querido amigo que muito admirava. Pernambuco, em sua arte, fica mais empobrecido hoje. Minha solidariedade aos familiares. Um pouco antes de adoecer, ele esteve comigo, na Fundaj, e conversamos sobre projetos, no futuro próximo. Iremos fazer uma homenagem ao mesmo e, em breve, anunciaremos."
Antônio Campos, presidente da Fundaj
Movimento Udigrudi
Em 1973, ele se juntou a Lula Côrtes na criação do disco Satwa, um marco da música moderna brasileira e da psicodelia pernambucana, sendo precursor do movimento que ficaria conhecido como udigrudi, que carregaria nomes como Zé Ramalho, Flaviola e a banda Ave Sangria. O disco, hoje uma raridade, foi lançado pela lendária Rozenblit. Na década passada, teve algumas edições em CD e Vinil disponibilizadas pelo selo inglês Mr. Bongo, quando comprou o catálogo da fábrica pernambucana de discos.
Após o lançamento de Satwa, Lailson voltou a juntar forças com dois outros gigantes nomes da música pernambucana, Zé da Flauta e o guitarrista Paulo Rafael, falecido em agosto deste ano, que davam os primeiros passos nas carreiras, definidoras para a música brasileira. Juntos, formaram o grupo Phetus, tocando o que chamavam de “rock barroco”, com apresentações teatralizadas e misturando texturas eletrônicas e acústicas, também embebidos pela energia psicodelica.
“Ele sempre foi um compositor muito criativo. De poesias simples, mas muito fortes”, afirma Zé da Flauta ao Viver. A Phetus chegou a realizar uma reunião em 2011, na Rua da Moeda. Segundo o músico, Lailson continuava ativo em sua faceta musical, levando à frente uma parceria que começa na arte e se estende para a vida afetiva.
“Ultimamente, a gente estava fazendo muitas parcerias no estúdio aqui em casa, compondo, tocando músicas antigas e fazendo músicas novas. Eu fazia uma música e mandava para ele fazer a letra, e vice-versa. Eu também acabei de escrever um livro, e ele que desenhou a capa e escreveu a orelha. Era uma relação de arte e amizade muito grande”, declarou. Zé da Flauta esteve com Lailson há duas semanas, em mais um encontro produtivo e alegre. A morte do amigo o deixou em choque.
"Uma graça imensa para lidar com situação difícil"
Isabela de Holanda, filha mais velha de Lailson, vinha atualizando seus amigos e admiradores sobre o estado de saúde do pai durante os dias que passou internado antes de seu falecimento. A proximidade e os cuidados agora são dedicados à lembrança e ao legado deixado por Lailson. “Há as memórias do artista, mas também há as memórias do pai, muito presente e atencioso. São memórias muito felizes de uma pessoa que eu costumava dizer que era meu ‘pãe’, meu pai e minha mãe”, declarou Isabela, ao Viver.
Para a história, ela destaca o comprometimento do pai em se dedicar na sua arte ao enfrentamento das mazelas do mundo. “O que ele deixa de maior legado é ser esse exemplo de pessoa. De honestidade, de bom humor, de alguém que sempre lutou por justiça social e que tentava trazer o humor para transformar as pessoas”, afirma. “Ele era uma pessoa muito sensível, mas muito alegre, sempre tinha uma piada para contar, tinha uma graça imensa para lidar com as situações mais difíceis.”