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Em seu 40º ano, Pagode do Didi vivencia redescoberta e encontro de gerações

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Rômulo Chico/Esp. DP
Fundado em 1981, Pagode do Didi vê novo público chegar no ano de seu 40º aniversário
Ao ficar desempregado, Valdemir de Souza encontrou “um buraquinho” por trás do antigo prédio da Secretaria da Educação, no centro do Recife, onde decidiu abrir um bar, aproveitando sua experiência anterior no ramo.  Levou tocadores de seresta para animar o estabelecimento que, de acordo com suas pretensões, seguraria sua vida pelos próximos dois anos. Em 2021, os dois anos viraram 40, a seresta virou pagode e Valdemir seria conhecido nacionalmente por Didi, patrimônio vivo de Pernambuco. Neste ano em que completa quatro décadas de existência, o Pagode do Didi não apenas mantém seu público fiel de anos, mas também se vê redescoberto por uma nova geração, movimentando suas sextas como não se via há anos.

A rotina segue a mesma, no começo da noite, os carros estacionados na rua dão lugar às mesas, os equipamentos vão sendo instalados, os instrumentos afinados e a cerveja gelando. O público chega, os músicos formam a roda e a noite começa. A grande mudança em relação aos primeiros dois anos de sua existência está no som durante a farra. 

“No começo não tinha ninguém, apenas eu e minha esposa organizando as coisas. Tocava-se serestas, tangos, boleros, chorinho, só que pagode ainda não. Fui ouvindo pagode, aprendendo as músicas, queria trazer pra cá. Mas deu trabalho pra tirar o pessoal da seresta”,  relata Didi, em entrevista ao Viver. “Quando a turma se infiltrou no samba, não soltavam o violão e os seresteiros mais velhos perguntavam se não iam tocar mais. Eu tentava contornar, mas eu já querendo o samba, tentando enrolar eles”, complementa.

Filho de músico, Didi aprendeu rápido o pagode que lhe encantou, tendo como referência o trabalho de nomes como Fundo de Quintal - que passaria a ser presença constante nas rodas do espaço - e viu seu público ir crescendo, tornando o centro da cidade ainda mais vivo culturalmente pela noite.
 
Além de bar e espaço de festa, o pagode também foi uma escola para toda uma geração de sambistas recifenses e ponto de encontro para referências nacionais. Arlindo Cruz, Almir Guineto, Negritude Jr, Jovelina Pérola Negra, Bezerra da Silva, Nelson Rufino, Noca da Portela, Délcio Luiz foram alguns dos nomes que encontravam em Didi um espaço na visitas do Recife para fazer um som ou apenas curtir a festa. (CONTINUA APÓS IMAGEM)
 
 

“Eu consegui colocar o pagode nas rádios e nas televisões daqui, antes não entrava pagode. Coloquei Almir Guineto para cantar na TV Pernambuco dia de sábado, com alta audiência, a própria Jovelina, Arlindo Cruz. Quando esse pessoal vinha, eu conseguia indicar, por meio de amigos que passaram a frequentar aqui”, relata Didi, apontando também que nomes locais, como Belo Xis e Gerlane Lops se aperfeiçoaram e puderam se profissionalizar no pagode. 

A roda do Pagode do Didi sempre foi democrática, com a feitura do som aberta, bastando apenas saber chegar com jeito, se entrosar com os veteranos. “Às vezes eles sabem tocar, mas ficam acanhados de entrar na roda, mas vão se infiltrando aos poucos, pegando confiança aos poucos. Não é só dizer que toca, chegar na roda e atrapalhar. Tem que se entrosar”, conta Didi. Hoje o som comandado por veteranos de longa data do métier do local, com a cantora Maria Pagodinho, mas em especial a partir desse ano, com a reabertura progressiva , os entusiastas da música ali feita vêm apresentando novos rostos. E aos montes.

ENCONTROS DE GERAÇÕES
 

“Tinha mais de 10 anos que o pagode não ficava movimentado como é hoje. Dia de sexta parece o Galo (risos), a gente fica doidinho. Tá vindo gente de todo tipo, muitos jovens que não conheciam, tem uns que até me perguntam se eu já tô aqui há muito tempo. Vem acontecendo então um encontro desses novatos com o pessoal mais antigo”, explica o anfitrião. 

Uma rápida busca pelo termo “Pagode do Didi” no Twitter gera centenas de resultados concentrados em publicações dos últimos meses. Amigos se perguntam pelo Whatsapp se já estão por lá, assim como os mais velhos faziam antigamente, mas ligando para o orelhão até hoje instalado dentro do bar, porém desativado.

A história da diarista Sandra Nascimento, ilustra bem esse fluxo geracional que vem atravessando o espaço nos últimos tempos. Há 27 anos atrás, foi pela primeira vez ao Pagode do Didi, convidada por um casal de amigos. Logo virou frequentadora assídua, continuando a corrente ao levar novos amigos. 

Ao engravidar do filho Matheus, até tentou ir aos poucos, mas o cansaço e os enjôos não permitiam uma estadia muito longa. Quando ele nasceu, as demandas da vida acabaram afastando-o. 26 anos depois, o próprio Matheus, já ciente dessa nova fase que vive o pagode, decidiu promover o reencontro da mãe com o espaço, levando-a para lá em seu aniversário de 55 anos.

“Ele sabia da minha paixão pelo Pagode do Didi e um dia me mandou um vídeo, mostrando que estava lá e aquilo dali me fez levantar. Ele disse que ia me levar e realmente me levou. Quando cheguei lá, fiquei fascinada com tanta gente jovem. ‘São que nem a senhora naquela época’, ele me disse. Fui me lembrando da minha turminha que ia, as lembranças foram chegando, foi um momento mágico”, afirma Sandra. 

Um detalhe a se destacar nessa história é que Sandra conheceu o pai de Matheus em Didi, que gostava de tocar pandeiro por lá. Então, de certa forma, trata-se de um retorno a um local primordial para a relação dos dois, mesmo não sendo frequentado por mais de 20 anos pela família. 
 
DESCOBERTAS E REDESCOBERTAS 
 
“O movimento no Centro da cidade como um todo já estava muito parado, mesmo antes da pandemia. A mudança na circulação de ônibus e das paradas aqui nesse trecho da Dantas Barreto, por exemplo, fez diminuir muito nosso movimento. Agora vem gente de Olinda, de Boa Viagem. Eu gosto demais disso, de ver eles descobrindo o ambiente”, elabora Didi. “Eu sou um local conhecido, está tendo essa adesão, por enquanto. Quando outras casas voltarem a abrir também, talvez não seja mais assim. Mas acredito que conquistarei a fidelidade de muitos dessas pessoas novas”, complementa.

Certamente é o caso do cineasta e estudante de cinema Pedro Ferreira, de 24 anos, com o diferencial de que a sua descoberta do Pagode do Didi aconteceu ainda antes da pandemia, em 2019. Após uma tarde cansativa no Centro com um amigo, houve a busca por um lugar para tomar uma cerveja e descansar, encontrando esse ponto na Praça do Sebo, a alguns metros de Didi, onde frequentaram por um bom período. Em uma dessas ocasiões, lamentavam que os estabelecimentos da praça fechavam muito cedo, por volta das 20h. Eis que surgiu o convite de um grupo mais velho que, após uma tarde de conversas, os convidou para conhecer um certo pagode que acontecia ali perto.

“A gente ficou meio chocado. Como assim um pagode? E fomos, era na rua ao lado. E era um lugar maravilhoso, o litrão era mais barato do que no Centro. A gente começou a ir pro Sebo e esticar no Pagode do Didi. Dificilmente a gente encontrava algum conhecido no Didi”, lembra Pedro. 

“Agora, eu estava falando com uma amiga, perguntei pra onde ela ia e ela disse que ia num pagode. ‘Pagode? Aonde’?. O do Didi. Fiquei sem acreditar que era aquele Pagode do Didi. Quando cheguei lá, era uma super mudança de clima, com muita gente conhecida”, complementa. Era um lugar que ele nunca tinha prestado atenção na existência e, ao começar a frequentar, também não sabia de sua história de décadas que atravessa gerações. 

Para ele, a juventude não conhece direito a cidade, então a descoberta desses lugares receptivos acaba gerando esse fenômeno de movimentação intensa. Antes, Pedro marcava de ir com amigos para lá, agora não precisa mais, é só chegar que certamente os encontrará. 

“Nos últimos tempos, venho me sentindo inseguro com a cidade. Em outro estabelecimento, três caras tentaram me arrastar uma vez. Mas o Pagode, ali do lado da Dantas, é um lugar muito acolhedor e seguro. E é um lugar que as pessoas gostam de conversar, de trocar ideias. Vejo conhecidos, mas também vi uma senhora comemorando seu aniversário de 90 anos lá ou mulher que começou a fazer uma live dançando com meus amigos”, afirma Ferreira. 

O novo fluxo vem desafiando a logística de Didi, mas ele relata que nunca houve grandes problemas ou qualquer tipo de confusão. Em outros tempos, por exemplo, já teve um período que batia polícia por lá, chegando até a confiscar instrumentos. Em uma dessas vezes, o então governador Eduardo Campos intercedeu para recuperá-los. O gerenciamento do espaço sempre foi bem familiar, primeiro ao lado da mulher Sônia, hoje falecida, e dos filhos e netos. 

Um dos mais velhos, Rico, abre o espaço nas manhãs de semana, sem o pagode. Além dos funcionários, também pegam no batente a filha Vera e a neta Kennya. Amigos de longa data também encontraram ajuda por lá. 

Foi o caso de Djailton de Melo, companheiro desde os tempos da juventude, que desempregado, passava por um momento de extrema dificuldade. Didi o acolheu, ofereceu serviços por lá, que além de lhe pagar em dinheiro, também doava excedentes da cozinha para que pudesse alimentar os cinco filhos. Djailton faleceu em 1998, um ano depois do nascimento de seu neto, que hoje é jornalista e, décadas depois, volta para contar aqui um pouco da história do lugar que permitiu a sobrevivência de sua família e que luta para dar mais vida ao centro da cidade do Recife.