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Projeto estimula preservação da memória afetiva de famílias negras e indígenas

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Foto: Acervo Pessoal/Janaina Oliveira
O trabalho tem por objetivo a preservação afetiva das famílias enquanto fontes históricas e de expressão cultural


As memórias que não vieram na bagagem da pesquisadora Beatriz Lins quando deixou o Rio de Janeiro para estudar no Recife a inspiraram a desenvolver o projeto ELO: Memória e afeto, uma iniciativa de preservação das memórias afetivas de famílias negras, indígenas e mestiças, desenvolvida ao lado do pesquisador Rafael Nascimento. Ambos são graduandos em cinema pela UFPE e compartilham o interesse em discutir, através de registros fotográficos, a pluralidade das famílias brasileiras.

O trabalho consiste na seleção de imagens para compor uma pesquisa e exposição fotográfica que tem como centralidade a preservação afetiva dessas famílias enquanto fontes históricas e de expressão cultural. As fotografias estarão dispostas no Instagram do projeto (@projeto.elo.pe). Para participar, os interessados devem enviar os registros até a próxima quinta-feira através do formulário disponível no link.

Os registros devem ser de acervos familiares ou pessoais e ter pessoas negras ou indígenas como protagonistas das imagens. Cada pessoa pode inscrever apenas uma imagem de sua família, acompanhada de relatos pessoais da família, descrevendo o momento em que foram fotografados e o que despertou o sentimento de afeto. Serão selecionadas 20 fotografias, e as famílias escolhidas receberão um cachê simbólico no valor de R$ 50 pela utilização da imagem. O resultado da curadoria será divulgado no próximo dia 28.

O ELO: Memória e afeto surgiu em adaptação ao contexto de pandemia, buscando trazer novas perspectivas políticas e culturais que podem ser expressadas pela maior participação das famílias e colaborações. “A questão do afeto sempre esteve presente nas nossas discussões, mas com a chegada da pandemia e do isolamento, acabou ficando em evidência. Entendemos o afeto como meio de resistência. Entendemos que temos que nos amar e tornar o amor mais palpável. E, falar sobre, é também uma forma de aproximar”, destaca a estudante e pesquisadora Beatriz Lins.

Os estudantes usaram como referências pesquisas acerca da questão de preservação fotográfica e os filmes Fotográfica (dirigido por Tila Chitunda), 2.704km (Leticia Batista) e Travessia (Safira Moreira). “Fomos muito guiados pela ideia de ausência. A partir de pesquisas que a gente faz, entendemos que a fotografia tem um papel importante na preservação de memórias, além de que traz mais leveza para lidar com as opressões diárias. E isso é o que buscamos no nosso trabalho: formas de ficar tudo mais tranquilo, porque lidar com a memória é também uma forma de prolongar o afeto, uma forma de acalentar o espírito coletivo”, conta a estudante.



Anteriormente, a dupla pensou em realizar pessoalmente o ensaio fotográfico das famílias selecionadas, porém, com o avanço da pandemia, precisaram adaptar e focar no acervo pessoal dos escolhidos. “Sabemos que é um processo de revisitação, isso desperta outros sentimentos. A procura e escolha das fotos, por si só, é um processo lento e envolve muitas coisas. Já recebemos alguns retornos positivos sobre a experiência”, revela. Rafael e Beatriz farão a curadoria das imagens sem restrição de formato, podendo ser digitais ou analógicas.

De acordo com Beatriz, a curadoria vai trabalhar no sentido de demonstrar a diversidade fenotípica. A proposta é que, ao falarem de si, as famílias tragam suas subjetividades, transformando a estigmatização das representações da população negra e indígena na mídia hegemônica e em outros espaços e, com isso, possibilitando que o amor e a afetividade também sejam enxergados nessas famílias, assim como todas as outras.

“Vivemos numa sociedade estruturalmente racista, somos agredidos de diversas maneiras e por isso acreditamos que falar de nós e dos nossos com carinho e respeito, principalmente nessa conjuntura que estamos vivendo, é uma maneira de contribuir com a nossa resistência”, pontua Beatriz. Ela destaca, ainda, que o projeto permite que algumas subjetividades sejam discutidas. “Revisitar essas fotos e memórias, e falar sobre elas com amor, com afeto é uma forma de nos fortalecer também. Mostrar as relações afetivas entre as pessoas negras, o que aquilo representa para elas, falar de carinho, afeto, respeito… e o que todas essas famílias têm em comum.”