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Morre Tarcísio Pereira, fundador da Livro 7, vítima de complicações da Covid-19

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Há um magnetismo que percorre os corredores de uma livraria, se estende às estantes e nos leva a buscar conforto em poltronas e desfrutar de infinitas leituras acompanhadas de um bom café. Em formato de L (de livro), sem balcão e com livre circulação, foi esse modelo, inédito até então, idealizado por Tarcísio Pereira ao fundar a Livro 7, que deu vida à cena literária do Recife por mais de três décadas. O livreiro se despediu nessa segunda-feira (25), aos 73 anos, vítima de complicações da Covid-19. Ele estava internado há mais de 60 dias no Hospital Português e receberia alta nesta semana, mas teve uma hemorragia na noite de segunda. O velório será nesta terça-feira (26), das 11h às 15h no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, onde ocorrerá a cerimônia de cremação.

Tarcísio deixa a esposa, quatro filhos e cinco netos. “Não saí do lado dele. Ele é a pessoa mais linda que já conheci. Nosso amor transcende qualquer coisa”, afirmou a empresária Juliana Lins, filha do livreiro. A juíza federal Joana Carolina Lins Pereira, também filha de Tarcísio, lembra do pai como um guerreiro. “Ele lutou bravamente, por mais de 60 dias, como sempre lutou por tudo aquilo em que acreditava: livros, talentos, cultura nordestina. Continuará conquistando amigos com seu sorriso e maneiras gentis, mas desta vez num plano superior”, escreveu.

Natural do Rio Grande do Norte, Tarcísio passou a maior parte da vida no Recife. Ingressou no Ginásio Pernambucano e estudou jornalismo e história na Universidade Católica de Pernambuco, mas não chegou a concluir as graduações. Atualmente, integrava o conselho editorial da Cepe Editora e atuava como superintendente de marketing e vendas da instituição. Foi o tempo dedicado ao serviço na Livraria Imperatriz, na década de 1960, que plantou a semente para abrir seu próprio estabelecimento dez anos mais tarde.

LIVRO 7
Localizada na Rua Sete de Setembro, no bairro da Boa Vista, a Livro 7 funcionou entre os anos 1970 e 2000, abrigando lançamento de livros, seminários e encontros literários. Recebeu grandes nomes da literatura nacional, como Osman Lins, Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar, e internacional, a exemplo do norte-americano Sidney Sheldon e do uruguaio Eduardo Galeano. Também foi palco de debates do movimento Super 8, com os cineastas Celso Marconi, Jomard Muniz de Britto e Fernando Spencer.

Do pequeno espaço de 20 m2 em que foi inaugurado, a Livro 7 se tornou um marco para Pernambuco, chegando a ter 1.200 m2. Tamanho que lhe deu, junto ao número de exemplares (60 mil), o título de maior livraria do Brasil, reconhecida pelo Guinness Book. A Livro 7 era zelo do início ao fim. A seleção de livros, a experiência de passear pelos corredores, oatendimento dos vendedo- res, bem treinados por Tarcísio para entenderem a importância do livro. No início dos anos 1990, o livreiro foi congratulado pela Academia Brasileira de Letras com o Mérito Cultural pela Divulgação da Literatura. A livraria abriu filiais em Alagoas, Paraíba e Ceará.

Best-seller mundial
Em entrevista concedida ao Viver em outubro do ano passado, em razão dos 50 anos de fundação da Livro 7, Tarcísio relembrou da visita do escritor Sidney Sheldon, o maior best-seller mundial do período. “Esse lançamento foi o maior do Brasil, só nessa noite vendeu 940 exemplares. O pessoal também trazia livros já lidos de casa para que ele assinasse. A mulher dele se levantou duas vezes para filmar o tamanho das filas”, contou.

O mais difícil, entretanto, foi fazer a noite acontecer. “O escritor teve receio de vir ao Recife por causa da violência. Para tentar salvar a noite, eu montei um esquema que funcionou muito bem, através de fax com umas matérias e notas que tinham saído na mídia. No dia seguinte, ele ligou para a editora e chegaram a um acordo: viria ao Recife num voo comercial e voltaria de jatinho, e alguém teria que bancar. ‘Eu disse a ele que já tava bancado’, mesmo sem saber quanto custaria”, explicou, aos risos.

A livraria deu um novo curso à cena cultural recifense, trazendo música, artesanato, decoração e cervejaria, promovendo um espaço colaborativo e democrático, inclusive com linha de crédito aos estudantes. Apesar da receptividade entre os entusiastas, clientes e artistas, a Livro 7 atravessou a censura do mercado editorial, tendo recebido até visita da Polícia Federal. Foi levada pela instabilidade econômica e a expansão do modelo de livrarias em shopping, o que a fez encerrar atividades em 2000.

Depois do fechamento da livraria, Tarcísio abriu, em 2002, a editora Livro Rápido, em parceria com o amigo Belarmino Alcoforado. Dez anos depois, o livreiro criou a Tarcísio Pereira Editor. No Facebook, gerenciava o grupo Amigos da Livro 7, onde admiradores compartilham memórias vividas no espaço. E estava em seus planos para este ano lançar, pela sua editora, um livro de memórias da Livro 7.

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