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Livro 7, livraria recifense que já foi a maior do Brasil, completaria 50 anos em 2020

Em formato de L, sem balcão e com livre circulação, a Livro 7 foi um dos maiores redutos culturais e políticos de Pernambuco.

Uma sala de 20 m2. Esse era o tamanho quando a livraria foi inaugurada em 27 de julho de 1970. Sua história está ligada aos tempos de comércio urbano pré-shoppings, quando Tarcísio teve a primeira formação na Livraria Imperatriz, capitaneada por Jacob Berenstein. "Assumi como encarregado e já tinha o pensamento de abrir a minha livraria. Sem balcão, porque eu odiava balcão. Era uma coisa comum naquela época, uma barreira que separava o público do livro. Eu achava muito chato o cliente de longe, pedindo o livro, sem nenhuma mágica que tivesse diretamente acesso", conta Tarcísio, em entrevista ao Viver. Ele ficou na Imperatriz de 1964 até 1969. Quando saiu, decidiu abrir a Livro 7. Sem balcão, claro.

No primeiro prédio, existia um pequeno corredor, que Tarcísio decidiu montar para eventos como, por exemplo, um festival de Super 8 com Celso Marconi, Jomard Muniz de Britto e Fernando Spencer, e torneios de xadrez, sempre aos sábados. Em 1974, a livraria se mudou para um casarão, onde cresceu até o ápice, quando dobrava o quarteirão em um formato de L... de livro.

O modelo de Tarcísio é o que conhecemos hoje nas livrarias, de livre trânsito entre as prateleiras, com restaurante e poltronas para leituras, algo que na época impulsionou a Livro 7. "O pessoal começou a criar uma coisa de ‘lançamento tem que ser na Livro 7’, e a mídia sempre apoiou muito. Era frequentada por várias pessoas, pela classe artística em peso e também jornalistas. Eu dava liberdade para o pessoal pegar o livro e ver se estava interessado em comprar", explica. "Eu ensinava a quem vendia para não pegar o livro do cliente direto, mas mostrar a sessão, onde ele via outros autores e se interessava em comprar outros."

A livraria impressionou até o "popstar da literatura" Sidney Sheldon.

A noite de filas para autógrafos no fim da década de 1980 quase não aconteceu. Segundo Tarcísio, ao chegar em Porto Alegre, o escritor teve receio de vir ao Recife por causa da violência. Com o lançamento já anunciado e alta expectativa criada, a noite foi salva por um esforço coletivo. "Eu montei um esquema que funcionou muito bem, através de fax com umas matérias e notas que tinham saído na mídia. No dia seguinte, ele ligou para a editora e chegaram a um acordo: viria ao Recife num voo comercial e voltaria de jatinho, e alguém teria que bancar. ‘Eu disse a ele que já tava bancado’, mesmo sem saber quanto custaria", comenta, aos risos.

Sidney foi recebido com seis faixas - encomendadas por Tarcísio, vale frisar - que o elogiavam e davam boas-vindas. "Eu sei que o motorista me contou depois, que sempre desacelerava perto das faixas para ele ler. A cada faixa, o escritor vibrava no banco de trás do carro."
 
Casa de grandes artistas
Justamente por ser uma porta aberta para artistas e intelectuais, a Livro 7 foi a casa de três gerações de escritores, e Tarcísio Pereira foi o patrono. No início dos anos 1990, inclusive, ele foi congratulado pela Academia Brasileira de Letras com o Mérito Cultural pela Divulgação da Literatura. "Tive a honra de receber na livraria lançamentos da geração 1945, 1965 e 1980", orgulha-se. Um desses lançamentos foi com João Cabral de Melo Neto, que tomado por uma de suas clássicas enxaquecas, estendeu uma apresentação de Morte e vida severina em uma noitada, acompanhado de seu uísque - que, segundo Tarcísio, foi remédio certo para o fim da dor de cabeça.

Exposições e performances com nomes como Paulo Bruscky, Cavani Rosas e Katia Mesel, "palinhas" de Geraldo Azevedo, Alceu Valença e Robertinho do Recife com o violão sempre à disposição dos frequentadores. São incontáveis momentos memoráveis. Outra empreitada inesquecível foi a noite em que Tarcísio juntou, em um bate-papo, Raimundo Carreiro e Marcus Accioly, dois dos maiores nomes da literatura pernambucana. "Foi uma loucura de gente na Livro 7. Tanto que, do nada, apareceu um cara do Detran para falar comigo. Veio reclamar que o evento engarrafou a Rua do Riachuelo."
  
Essa relação com os escritores era expressa não só em presenças físicas, mas nas paredes da livraria, repletas de retratos assinados. Era um ponto em que o pernambucano poderia se reconhecer culturalmente, como pontua o economista e escritor Jacques Ribemboim. "A Livro 7 inovou em muitos aspectos, mas acima de tudo, tornou-se um símbolo de pernambucanidade. Ali, o público se via refletido nos autores que estavam expostos em suas centenas de metros de estantes e gôndolas."

Tarcísio Pereira pretende lançar neste ano, pela sua editora, um livro de memórias da livraria.


 

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