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The Plot Against America, da HBO, é uma experiência imersiva no fascismo

Atualmente, o estadunidense Charles Lindbergh é lembrado por ter feito o primeiro voo solitário e transatlântico sem escalas em avião. Quem se aprofundar mais em sua biografia, descobrirá que o "herói da aviação" um foi simpatizante do nazismo, chegando a assistir os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, ao lado de Adolf Hitler. Entre as décadas de 1930 e 1940, o piloto liderou um movimento isolacionista chamado America First, que defendia que os Estados Unidos não entrassem na Segunda Guerra Mundial. Após o Ataque a Pearl Harbor, ele mudou sua convicção sobre o conflito. Mas na minissérie The plot against America, da HBO, Lindbergh não apenas continua defendo a neutralidade, como vence as eleições presidenciais de 1940 - originalmente vencida por Franklin D. Roosevelt.
Esse é o cenário inimaginável da produção criada e escrita por David Simon (da aclamada The wire) e Ed Burns, baseada no romance homônimo Complô contra a América (2004), do escritor Philip Roth (1933 - 2018). No livro, a história é contada a partir da visão do próprio Philip, que viu o movimento de Charles Lindbergh na infância. Na série, esse ponto de vista é expandido para vários membros dos Levin, uma família judaica que mora Newark, cidade mais populosa de Nova Jersey, e tenta viver o american way of life.
The plot against America nos coloca em uma experiência imersiva e gradual. Diante da temática da produção, o diferencial é essa aposta em uma narrativa contemplativa, em que acompanhamos o cotidiano da família em jantares, dias de trabalho ou idas à escola, sempre com uma caracterização histórica impecável. Para quem gosta de reviravoltas de tirar o fôlego a cada episódio, pode até ser um defeito. O patriarca Herman (Morgan Spector) é um pró-Roosevelt fervoroso. Ele escuta fielmente o programa do radialista Walter Winchell, que costuma rebater o movimento American First, todas as noites. A esposa Bess (Zoe Kazan), o filho Sandy (Caleb Malis) e o caçula Philip (Azhy Robertson) completam o núcleo principal.
Os enlaces políticos são mostrados pela mídia impressa, radiofônica e por um cinema de rua que recebe rolos filmográficos sobre as atualidades dos EUA e da Europa. Charles Lindbergh inicia uma campanha baseada no seu talento como aviador. Ele aterrissa no aeroporto e, ainda na pista de aterrissagem, sobe em um palanque. Seus discursos são repetitivos e rasos. Jornalistas não conseguem fazer perguntas. "Não devemos nos envolver nos problemas da Europa", diz, ao repetir o slogan "American First" (América em primeiro lugar, em tradução livre para o português). Visto como celebridade jovial e outsider político, ele vence a disputa.
Outro personagem de destaque é de Evelyn (Winona Ryder), irmã de Bess. Mesmo sendo judia, ela é seduzida pelo discurso do presidente. "Ele não é antissemita. Ele é um herói que vai nos salvar de uma guerra", repete, ao ser confrontada pela família. Evelyn se envolve em um relacionamento amoroso com o rabino conservador Lionel Bengelsdorf (John Turturro), funcionário de campanha de Lindbergh e constantemente usado para provar que o presidente não tem preconceitos de qualquer natureza. Através desse casal, a série consegue mostrar uma visão mais "insider", porém ainda limitada, da cúpula governamental.
Na vida real, a ascensão do autoritarismo é gradual. Também é nessa minissérie. A cada episódio, um novo elemento aparece para dar dicas do rumo que o país está tomando. O presidente dos EUA é visto em encontro oficial com Hitler. O ocorrido choca, mas logo é naturalizado pela sociedade e pela imprensa, sempre em nome da neutralidade, da paz e da vida dos jovens americanos. Depois, um importante ministro do governo alemão participa de um jantar na Casa Branca - com direito a bandeiras nazistas no salão. Choca, mas “precisamos nos manter fora da guerra".
Um programa de intercâmbio do governo federal estimula a ida de crianças judias para cidades interioranas do Sul do país, região historicamente reacionária dos EUA. Mais tarde, a iniciativa se transforma em um projeto de migração forçada para famílias. O círculo vai se fechando em torno dos Levin. E, como tudo o que é gradual, o episódio final é vigorosamente obscuro. Zoe Kazan, que vive a mãe, protagoniza a cena mais forte da série - que é apenas uma conversa no telefone. O espectador é colocado em frente aos limites da maldade humana.
Enquanto distopias políticas como Handmaid's Tale (Hulu) e Years Years (BBC) assustam por mostrar um futuro autoritário e decadente, The plot against america sensibiliza por reescrever o passado e, ainda assim, apresentar tantas similaridades com o presente. Além de um prato cheio para quem gosta de história, drama e distopias, a minissérie é um interessante aviso para os tempos atuais. Mostra que o fascismo, mais do que uma ideologia política, é um estado de espírito que domina a sociedade em rumo ao abismo humanitário. E que não existe um final feliz quando a sociedade opta por esse caminho.
Assista ao teaser de The Plot Against America: