"Certamente ouvirei 'mas ele morto não pode se defender', ao que respondo: quem não pôde se defender fui eu! Certamente ouvirei que não estou respeitando a família num momento de dor. Respeito sim. Respeito a dor de cada um deles e de todos que consideravam Dito como pai. E peço que também respeitem a minha dor, que já dura mais de 20 anos. As vítimas de estupro possuem até 20 anos após a prática dos crimes para denunciarem o agressor. Ele, como babalorixá, me chamava de filha e usou sua força e autoridade dentro desse contexto pra escravizar minha mente e meu corpo", diz a cantora em seu texto.
A artista conheceu o Ylê de Egbá em 1998, na Cantina Z4, colônia de pescadores em Olinda e passou a integrar o grupo. Nas reuniões espirituais, Dito incorporava as entidades Malunguinho, Ritinha, Mestre Paulo, Aninha e Malandrinho. "Nunca questionei se eram realmente entidades, tinha certeza que sim. Um dia toca meu telefone e é Malandrinho dizendo que está embaixo do prédio e quer subir. Achei muito estranho mas eu confiava em qualquer coisa vinda dessa entidade e também de Dito e concordei que subisse", relata.
No primeiro episódio de estupro, praticado em sua casa entre 2000 e 2001, Karina conta que ele a levou para o quarto, a colocou de joelhos no chão e agiu como se fosse começar uma sessão de conselho religioso. "Achei estranho o pedido pra ajoelhar mas fiz. Ele então abriu o cinto, abriu a calça e botou o pênis na minha boca. Tirei minha boca e ele disse que dessa forma eu não ia conseguir nada na vida, que eu conseguir fazer aquilo seria a prova de que eu era forte, que o pênis dele ficar duro era um sinal da minha força, que aquilo não era errado, as pessoas que viam dessa forma, que aquilo era a energia dele vindo pra mim. Em seguida, ele me botou de quatro, eu sem reação, e seguiu o estupro, dessa vez com penetração", conta a artista, que relatou em seu texto mais outros dois episódios de estupro.
"Estupros aconteceram 3 vezes e uma outra vez aconteceu algo que não sei como terminou, minha mente apagou. Estava na casa dele e seria um dia inteiro de rituais. Passei o dia todo ali preparando as coisas e convivendo com todos", lembra a cantora.
A artista também relata situações de coação e extorsão praticadas por Dito para que ela financiasse as obras da sede do Afoxé, manutenção de equipamentos, entre outros. "Eu pagava muitas coisas, do tecido pra fazer roupas do afoxé a material de construção pras reformas infindáveis da casa. Sempre tinha pedidos de entidades e eu teria que comprar colares e pulseiras de ouro, anel de pedra tal, chapéu original de tal marca, bengala da Nigéria… Chegou a um ponto em que eu doava todo e qualquer valor que me viesse pelo meu trabalho, embora eu trabalhasse cada vez menos. Eu não tinha a quantidade de dinheiro necessária pra bancar tudo aquilo então comecei fazer o que nunca tinha feito antes na vida, pedir emprestado freneticamente, bolar planos, enganar minha mãe e meu pai. E nada disso era pra mim", narra.
De acordo com a promotora Henriqueta de Belli, a cantora foi até a 3ª Vara Criminal do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) em Olinda, há um ano atrás, acompanhada de uma advogada da ONG Gestos e relatou, por horas, as violências sofridas. "Eu tive contato com os relatos pela primeira vez naquele dia, anotei e tenho tudo por escrito até hoje, mas fiquei aguardando o momento em que ela quisesse que eu desse segmento com o caso", relata Henriqueta.