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Hilton Lacerda filma série inspirada no universo de Tatuagem. Confira entrevista

Para além da produção de cinema, o audiovisual de autoria pernambucana tem um passado, presente e futuro prósperos, também no formato de série. Desde as séries televisivas roteirizadas por Osman Lins, até o expoente de popularidade de o O auto da compadecida (1999), do recifense Guel Arraes - que inclusive será reprisada pela Rede Globo em 2020 para comemorar 20 anos do sucesso. Na produção contemporânea, Hilton Lacerda tem sido um realizador de destaque no formato, com as produções recentes de Lama dos dias (2018) e Fim do mundo (2016) para o Canal Brasil. Diretor do longa Tatuagem (2013) e roteirista do clássico Baile perfumado (1996), Hilton está produzindo no Recife uma nova série.
Com o título de Chão de estrelas, a série é uma espécie de derivado de Tatuagem, que narra um outro momento do grupo de teatro independente, dessa vez na atualidade. Quarenta anos depois dos eventos do longa, a produção vai focar nas tensões do grupo de teatro, dentro das vivências, dos afetos e apresentações no casarão do artista plástico Dionísio. Em um dado momento, o grupo precisará lutar para manter vivo o espaço ameaçado de demolição fruto da especulação imobiliária.
No elenco, estão alguns nomes vindos do teatro. Os atores do coletivo pernambucano Magiluth, por exemplo, fazem parte da produção tanto como personagens, quanto como equipe de preparação de elenco. A atriz Nash Laila, de filmes como Deserto feliz (2007) e Amor, plástico e barulho (2013), que também esteve em Tatuagem, é uma das protagonistas, junto com novas revelações como Gustavo Patriota, Uiliana Lima e Giordano Castro. Também integram o elenco atores mais experientes como Lívia Falcão, Fabiana Pirro, Paulo André e Sílvio Restiffe. Assim como no filme, a série de sete episódios terá trilha sonora de DJ Dolores, com a participação especial de Fred 04, líder da banda Mundo Livre S/A, em um dos episódios.
Em visita ao set da série no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, Hilton Lacerda falou sobre sua nova produção, o desmonte da cadeia produtiva do audiovisual brasileiro e o fazer cinema contemporâneo.
Entrevista - Hilton Lacerda, diretor e roteirista
Como está sendo a experiência de revisitar esse universo de Tatuagem?
É engraçado, porque sou muito resistente a essa ideia de você fazer um filme e depois uma série do filme. Talvez por isso a mudança radical de fazer uma série que fosse contemporânea. Claro que levando em consideração outras coisas, como o tamanho da produção, porque fazer uma série de época seria muito caro e difícil. Tinha feito já o Lama dos dias, mas que é uma série de episódios com menos de 20 minutos. Chão de estrelas é uma série de 7 episódios com 50 minutos cada. São quatro longas-metragens (risos). Isso tudo influenciou quando optamos por trazer esse universo pra contemporaneidade. Já em Tatuagem, eu não queria fazer um filme que fosse saudosista sobre uma época, até porque era uma época em que eu era muito jovem. Era muito mais uma leitura crítica do presente, a partir de uma janela do passado. O Chão de estrelas é quase um espelhamento futuro do que está acontecendo. Desse momento conturbado da política brasileira, em que a arte está sendo impiedosamente massacrada e quando o Fundo Setorial (do Audiovisual, FSA), por exemplo, corre o risco de desaparecer.
No Janela Internacional de Cinema do Recife, Kleber Mendonça Filho comentou que talvez esse seja, de fato, o último ano do FSA...
Eu fico preocupado que Chão de estrelas é possivelmente o último trabalho pelo Fundo Setorial a ser feito por mim. A quantidade de projetos que foram aprovados baixou muito, o dinheiro que deveria ser gasto com o audiovisual diminui. Esse dinheiro é de fomento de uma indústria e de uma rede de produção que envolve mais de 300 mil pessoas. É muito amedrontador. Mas, por outro lado, é desafiador você entender, procurar saídas e confrontos que sejam saudáveis nesse sentido. Porque temos que cavar esse espaço o tempo todo.
Como foram os processos criativos de formulação das artes visuais e do som da série?
Trabalhar com cinema é quase trabalhar numa cooperativa. Nesse projeto e no longa, tivemos um grau de liberdade e inventividade muito altos. Essa cenografia foi feita por Karen Araújo, que traz em parceria uma visão muito dela desse universo. Então é um troca, um trabalho em cumplicidade. Acho que o cenário tem muito um reflexo queer. Tem uma parte trilha que é feita ao vivo, durante os espetáculos. Outra parte são músicas sintetizadas, que um dos personagens, o Veludo, trabalha improvisando essas distorções sonoras, que vai ser posto na pós-produção. DJ Dolores vai novamente ficar à frente das músicas, que é uma parceria muito antiga minha. Desde o que seja música diegética, do que toca dentro do casarão, como música de grupo evangélico e o som alucinante do grupo de teatro, que vai soar quase operístico. Vamos ter participação também de Fred 04, que vai tocar para os ocupantes. Eu queria fazer um projeto de “trans linguagens” mesmo. É uma série de TV, sobre teatro, derivada de um filme, onde as questões da música e das artes plásticas são centrais.
O Chão de Estrelas é um grupo independente de teatro. Como a pauta do lugar do artista na sociedade e do fazer arte estão presentes na discussão levantada por essa série?
A série é sobre o grupo de teatro que habita o casarão. Eles o alugam de Dionísio, que faz parte desse universo, mas não é membro. É um iconoclasta, que toma esse nome para se tornar essa espécie de deus pagão. Ele é meio anarquista. Mas, quando as pessoas que estão aqui dentro e passam a correr certo risco, ele toma um certo protagonismo. Ele vai recriando as histórias e fazendo com que o grupo viaje em uma criação dele. E isso fala muito sobre a necessidade da arte, como uma dinâmica de movimentação do pensamento. A arte é um ato político por natureza.