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Disco Canto-máquina investiga o universo da canção

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Foto: Raphael Malta Clasen/Divulgação
Caio Lima é da banda Rua do Absurdo, Mateus Alves compôs a trilha de Bacurau
Ponto de convergência da energia criativa de Caio Lima, da banda Rua do Absurdo, e de Mateus Alves, compositor das trilhas sonoras de filmes como Bacurau e Brasil S/A, o disco Canto-máquina investiga as nuances afetivas da canção. O trabalho, que entrou neste mês nas plataformas de streaming, apresenta-se em quatro faixas arranjadas por Mateus e com letras de Caio, sendo composto por três canções (Canto-máquina, Demiragens e A uma voz), e uma música instrumental (Sem título), em parceria com Henrique Vaz.
 
Pautado na experimentação, o disco tem duração de cerca de 13 minutos e propõe aos ouvintes uma imersão no universo musical muito particular da canção, que se articula através de arranjos com instrumentos de orquestra costurado pela bateria de Hugo Medeiros (Rua do Absurdo e Amaro Freitas Trio), o violão e a guitarra de Rodrigo Samico (Saracotia), o baixo de Mateus e a voz de Caio. Com sonoridade que vai do minimalismo à exuberância, através de um exercício de linguagem, Canto-máquina questiona - ainda sem respostas - os objetos de desejo da própria canção. Entre as influências nessa busca por uma linguagem livre,estão o free jazz de John Coltrane, que fica bem demarcado na faixa que dá nome ao disco. Alguns momentos de minimalismo também se fazem presentes, como na faixa Sem título, muito influenciada pelos norte-americanos Steve Reich e Philip Glass. 
 
Essa amplitude sonora torna o trabalho uma verdadeira jornada, entre divagações e possibilidades de investigação. “Acho que essa coisa do free jazz vem muito da escuta de Mateus, por exemplo. Steve Reich entra muito na minha forma de fazer música. No processo de composição, essas referências foram chegando como forma de fazer música. Foram surgindo, também, em forma de investigação”, explica Caio, que conheceu Mateus no curso de música da UFPE. A partir das criações no violão, o disco foi ganhando conceito e poética. Muitas delas vieram, também, a partir da investigação sobre o ruído, que o compositor teve como objeto de estudo em seu mestrado.
 
A ideia da canção como um sistema afetivo que deseja para além do que anseia o poeta foi o mote da linguagem e imagem central para o álbum, que apresenta complexidade em seu percurso instrumental, vocais potentes e letras em uma poética quase meta-cancioneira. “Essa questão da máquina me levou a pensar o desejo das próprias coisas, mas também como o cantor é apenas o meio de suporte disso. Na verdade, o que queríamos com o disco era lançar a pergunta: ‘Como a canção cantaria sobre si?’ É uma visão pós-humana, no sentido de criticar o antropocentrismo e o lugar do artista.”