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'O que as mulheres vivem todos os dias é uma guerra', diz Karim Ainouz, diretor de A vida invisível

Um relato de guerra. É assim que define o diretor cearense Karim Aïnouz sobre o seu longa, A vida invisível, premiado em Cannes e em cartaz nos cinemas. "O que as mulheres vivem em nossa sociedade, a sequência de opressões, cerceamento de direitos, violência sexual... isso é uma guerra e eu queria dar um nome a isso”, conta Karim, em entrevista ao Viver.
As batalhas enfrentadas pelas irmãs Guida e Eurídice, traduzidas pela dureza do afastamento, a opressão frente aos personagens masculinos e a invisibilidade de suas vidas são permeadas por um sentimento de melancolia que atravessa toda a narrativa do filme. A escolha da atriz Fernanda Montenegro, que aparece nas cenas finais, arremata a construção simbólica, aparecendo como uma veterana de guerra. “Para mim, a Eurídice é uma veterana de guerra que passou por muito, mas está aí, viva. Tem integridade”, revela o diretor.
Na corrida para uma indicação ao Oscar como Filme Internacional, Karim adianta que há possibilidade de receber indicações em outras categorias, como fotografia, música e atuação, com Fernanda Montenegro. A atriz carrega o trunfo de única brasileira indicada ao prêmio, pela atuação em Central do Brasil (1998).
Para construir as personagens, o diretor usa as suas próprias lembranças e a influência de sua infância rodeada por figuras femininas. “Fui criado em uma família que não tinha homens, somente com avó, mãe e tias. Os homens da minha família eram fracos ou ausentes. Então, com certeza, eu sou um dos homens do filme. Eu sou filho de uma mulher feminista, que sustentou a casa sozinha. O filho de Guita precisava contar a história de sua mãe”, pontua.
Aïnouz apostou no melodrama, característica das telenovelas brasileiras, como gênero base do longa para transformar toda a tristeza e tensionamentos sociais presentes no roteiro adaptado do livro de Martha Batalha (A vida invisível de Eurídice Gusmão). “Eu queria falar com o grande público. Senti que era preciso, principalmente depois do impeachment da ex-presidente Dilma. Quis voltar a um lugar de pensar o cinema em uma arma de reverter pensamentos, falar com as pessoas de maneira eficaz, que é contando uma história.”
Confira a entrevista:
Por que transformar o livro de Martha Batalha em filme?
Recebi o livro de presente do produtor Rodrigo Teixeira em 2012. Eu tinha acabado de perder minha avó e logo em seguida a minha mãe. Ele me conhece há um tempo, sabia da minha proximidade com as duas e me presenteou com essa história linda de amor entre duas irmãs, duas mulheres muito fortes. Quando li, fiquei muito tocado. No velório da minha mãe, eu escrevi uma carta para as pessoas que estavam presentes, queria falar sobre como tinha sido para ela sustentar a família, os desafios que ela enfrentou. Coisas que quem não a conhece intimamente não sabe, mas que foram essenciais na formação dela enquanto mulher.
Ler o livro logo depois disso foi interessante, comecei a fazer relações com a minha vida, as coisas que eram “invisíveis” ao meu redor. Minhas experiências me aproximaram da história, eu quis falar em um contexto maior das mulheres que me criaram sem necessariamente falar delas. Contar as questões que estavam pulsantes no meu coração, mas que tivessem relevância para um público maior.
É a primeira vez que você adapta uma obra literária. Qual é o maior desafio na construção da narrativa audiovisual?
Foi muito prazeroso, na verdade, foi uma aventura. É bom ter um ponto de partida e não precisar inventar tudo do zero. O maior desafio, sem dúv idas, é, enquanto homem, compreender essa sororidade que permeia todo a história de Eurídice e Guida. Eu tive que fazer muitas versões diferentes sobre o final, por exemplo.
Você se vê em algum dos personagens?
Eu fui criado em uma família que não tinha homens, somente com avó, mãe e tias, os homens da minha família eram fracos ou ausentes. Guida e Eurídice são personagens que tenho muita familiaridade. Com certeza, eu sou um dos homens do filme. Eu sou filho de uma mulher feminista, que sustentou a casa sozinha, sou filho dessa geração. Me vejo como o filho da Guida e tenho a necessidade de contar a história dela. Eu tinha mulheres na equipe, na produção, no roteiro, e precisei delas ao meu lado o tempo inteiro para construir esse filme.
Outra coisa necessária a ser falada é que o filme é um relato de guerra. O que se vive enquanto mulher, a sequência de opressões, cerceamento de direitos, violência sexual... é uma guerra. Eu queria dar nome a isso. Para mim, a Eurídice é uma veterana de guerra que passou por muito, mas está aí, viva. Tem integridade. Aqueles homens de 1950 são os mesmos de agora. Queria lançar um olhar sobre eles, mas não de maneira neutra e questionar: as mulheres conquistaram muito, mas e os homens? O quanto mudaram?
Em meio a um cenário de retrocessos, como é ver dois filmes de diretores nordestinos (o seu e Bacurau) recebendo prêmios de relevância mundial?
Tem outro projeto em vista?
As batalhas enfrentadas pelas irmãs Guida e Eurídice, traduzidas pela dureza do afastamento, a opressão frente aos personagens masculinos e a invisibilidade de suas vidas são permeadas por um sentimento de melancolia que atravessa toda a narrativa do filme. A escolha da atriz Fernanda Montenegro, que aparece nas cenas finais, arremata a construção simbólica, aparecendo como uma veterana de guerra. “Para mim, a Eurídice é uma veterana de guerra que passou por muito, mas está aí, viva. Tem integridade”, revela o diretor.
Na corrida para uma indicação ao Oscar como Filme Internacional, Karim adianta que há possibilidade de receber indicações em outras categorias, como fotografia, música e atuação, com Fernanda Montenegro. A atriz carrega o trunfo de única brasileira indicada ao prêmio, pela atuação em Central do Brasil (1998).
Para construir as personagens, o diretor usa as suas próprias lembranças e a influência de sua infância rodeada por figuras femininas. “Fui criado em uma família que não tinha homens, somente com avó, mãe e tias. Os homens da minha família eram fracos ou ausentes. Então, com certeza, eu sou um dos homens do filme. Eu sou filho de uma mulher feminista, que sustentou a casa sozinha. O filho de Guita precisava contar a história de sua mãe”, pontua.
Aïnouz apostou no melodrama, característica das telenovelas brasileiras, como gênero base do longa para transformar toda a tristeza e tensionamentos sociais presentes no roteiro adaptado do livro de Martha Batalha (A vida invisível de Eurídice Gusmão). “Eu queria falar com o grande público. Senti que era preciso, principalmente depois do impeachment da ex-presidente Dilma. Quis voltar a um lugar de pensar o cinema em uma arma de reverter pensamentos, falar com as pessoas de maneira eficaz, que é contando uma história.”
Confira a entrevista:
Como está a expectativa para o Oscar?
Estou tentando neutralizar a expectativa, me voltando à campanha de divulgação do filme, circulando nos festivais. Éomomento de dar visibilidade ao audiovisual brasileiro diante do cenário de tantos cortes nas iniciativas de cultura do país. É hora de ser embaixador cultural do Brasil. Mas há sim a chance de ser indicado a outros prêmios: fotografia, música, atuação, com Fernanda Montenegro. É um desejo grande e é possível. Seria muito importante, principalmente para brindar os 90 anos de Fernanda.
Por que transformar o livro de Martha Batalha em filme?
Recebi o livro de presente do produtor Rodrigo Teixeira em 2012. Eu tinha acabado de perder minha avó e logo em seguida a minha mãe. Ele me conhece há um tempo, sabia da minha proximidade com as duas e me presenteou com essa história linda de amor entre duas irmãs, duas mulheres muito fortes. Quando li, fiquei muito tocado. No velório da minha mãe, eu escrevi uma carta para as pessoas que estavam presentes, queria falar sobre como tinha sido para ela sustentar a família, os desafios que ela enfrentou. Coisas que quem não a conhece intimamente não sabe, mas que foram essenciais na formação dela enquanto mulher.
Ler o livro logo depois disso foi interessante, comecei a fazer relações com a minha vida, as coisas que eram “invisíveis” ao meu redor. Minhas experiências me aproximaram da história, eu quis falar em um contexto maior das mulheres que me criaram sem necessariamente falar delas. Contar as questões que estavam pulsantes no meu coração, mas que tivessem relevância para um público maior.
É a primeira vez que você adapta uma obra literária. Qual é o maior desafio na construção da narrativa audiovisual?
Foi muito prazeroso, na verdade, foi uma aventura. É bom ter um ponto de partida e não precisar inventar tudo do zero. O maior desafio, sem dúv idas, é, enquanto homem, compreender essa sororidade que permeia todo a história de Eurídice e Guida. Eu tive que fazer muitas versões diferentes sobre o final, por exemplo.
Você se vê em algum dos personagens?
Eu fui criado em uma família que não tinha homens, somente com avó, mãe e tias, os homens da minha família eram fracos ou ausentes. Guida e Eurídice são personagens que tenho muita familiaridade. Com certeza, eu sou um dos homens do filme. Eu sou filho de uma mulher feminista, que sustentou a casa sozinha, sou filho dessa geração. Me vejo como o filho da Guida e tenho a necessidade de contar a história dela. Eu tinha mulheres na equipe, na produção, no roteiro, e precisei delas ao meu lado o tempo inteiro para construir esse filme.
Outra coisa necessária a ser falada é que o filme é um relato de guerra. O que se vive enquanto mulher, a sequência de opressões, cerceamento de direitos, violência sexual... é uma guerra. Eu queria dar nome a isso. Para mim, a Eurídice é uma veterana de guerra que passou por muito, mas está aí, viva. Tem integridade. Aqueles homens de 1950 são os mesmos de agora. Queria lançar um olhar sobre eles, mas não de maneira neutra e questionar: as mulheres conquistaram muito, mas e os homens? O quanto mudaram?
Em meio a um cenário de retrocessos, como é ver dois filmes de diretores nordestinos (o seu e Bacurau) recebendo prêmios de relevância mundial?
Eu vim de uma geração que não tinha nem como pensar em fazer cinema no Nordeste e agora estou vendo dezenas de autores e atores da nossa região representando. Tá dando certo, estamos conseguindo realizar um projeto de descentralização do cinema brasileiro. Estamos contando nossas próprias histórias, isso é emocionante. Tem algo muito certeiro no que estamos falando.
Tem outro projeto em vista?
Gravei dois filmes com histórias paralelas. Meu pai é da Argélia e eu nunca tinha ido até lá. Então, eu fiz uma viagem para lá e comecei a me debruçar sobre o país, e construí um roteiro a partir da história da família do meu pai. É um filme bem biográfico. Traçando também um paralelo com o Brasil e com libertação do país do neocolonialismo, vi de perto a luta do povo da Argélia, que está vivendo uma revolução pelo fim de um regime autoritário. As pessoas estão lutando semanalmente e essas manifestações me levaram a produzir outro filme.