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Crítica: Hebe - A Estrela do Brasil aborda censura e vida íntima da apresentadora

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Utilizando-se de um recorte temporal que deixa de lado os protocolos narrativos, o longa é ambientado nos anos de 1980, em pleno processo de redemocratização. Foto: Warner Bros./Reprodução
 
Seria impossível falar da história da televisão e do entretenimento brasileiro sem passar por figuras emblemáticas como Chacrinha, Silvio Santos e Hebe Camargo. É justamente ela, a mulher que já foi a apresentadora mais bem paga da América Latina, que ganha cinebiografia e se junta a Rocketman, Simonal e Divaldo - Mensageiro da paz em um ano repleto de filmes do gênero. O longa Hebe: A estrela do Brasil, que estreia nesta quinta-feira (26), destaca-se na extensa produção de biografias para o cinema por diversos motivos. Dentre eles, por se tratar de um nome monumental como poucos no showbiz brasileiro, por fugir de fórmulas narrativas do gênero e se aproveitar da agenda de tensão para trazer um lado controverso da vida pública e privada da apresentadora.
 
O que se espera de uma cinebiografia? Na maioria dos casos, se espera que ela vá da infância aos últimos dias da personagem, mostrando momentos de derrotas e glórias. O filme, dirigido por Maurício Farias (O coronel e o lobisomem e A grande família) e escrito por Carolina Kotscho (Dois filhos de Francisco) não é sobre isso. Utilizando-se de um recorte temporal que deixa de lado os protocolos narrativos para, com coragem, abordar os momentos mais turbulentos de Hebe, o longa é ambientado nos anos de 1980, em pleno processo de redemocratização. Durante esse tempo, a apresentadora passou pela censura na Rede Bandeirantes e até por problemas com o Congresso em seu período do SBT.
 
Por escolher um lugar não convencional na história de Hebe, o filme opta pelo caminho espinhoso da política, conectando subtextos da época ao presente. Em primeiro lugar, porque Hebe sempre foi ligada a Paulo Maluf, uma ala mais burguesa da política paulista. Ao mesmo tempo, em seus programas, o tabu não tinha espaço: sempre falava de temas como o aborto, questões LGBTs e entrevistou figuras como o ex-presidente Lula - que no período, por cinco anos, já não aparecia na Rede Globo.
 
 
A apresentadora chegou ao ponto de criticar as constituintes, sendo ameaçada de pegar oito anos de prisão, justamente na época em que mandou uma de suas frases mais célebres, que demarca, com todo seu tom popularesco, as contradições de seus posicionamentos: “A Hebe não é de direita, a Hebe não é de esquerda. A Hebe é direta”. Ao abordar a personagem como contraditória e incoerente, o filme se diferencia das grandes cinebiografias, que buscam constantemente reiterar a narrativa, em uma perfeita harmonia e coerência das personalidades.
 
Toda essa construção da personagem através de nuances, só é possível por conta da ótima atuação de Andréa Beltrão, que se distancia de uma interpretação mais mimética e cria sua própria versão de Hebe. Destaque para a cena apoteótica da apresentadora com seu ídolo, Roberto Carlos, durante sua estreia no SBT - que, se formos olhar para os arquivos, está muito bem retratada pela direção de arte. Também acompanhamos Hebe com suas enormes joias em um eterno tilintar, nos momentos mais duros de sua vida pessoal. Apesar de ser apresentado, de certa forma, através de uma caricatura, a morte de um de seus amigos dá um tom dramático que consegue ser entregue pelo filme. Outro destaque é a relação turbulenta com o ex-marido, que nos garante bons ganchos dramáticos, de tensão familiar, mas também tangenciando o tema da violência doméstica.
 
Atualizando Hebe para as pautas do momento, logo ela, que sempre se manteve em pauta, o filme traz um olhar surpreendente sobre um dos maiores nomes do entretenimento brasileiro. Ao abordar parte da vida de Hebe Camargo, o filme nos fala sobre um período tenebroso da política, do fazer televisivo e da cultura pop no país. Nos mostra como, em tempos sombrios de consensos extremos, a figura da apresentadora, marcada pela discordância e contradição, é capaz de rasurar certas lógicas hegemônicas, sempre com bom humor e irreverência.
 
Confira o trailer: