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Afoxé Obá Iroko: o canto da ancestralidade negra na Bomba do Hemetério

Bailarino interpretando o orixá Iroko, patrono do Afoxé. Foto: Samuel Calado/DP

Era março de 2012. Estavam todos reunidos na festa do Mestre Zé Malandro, na Casa Ilê Axé Xangô Ogodô, localizada na comunidade da Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, quando os filhos de santo resolveram sair às ruas para tocar um coco e se confraternizar. Nessa saída, vendo a alegria das pessoas com o ritmo afro, Clóvis Ramos, também conhecido como Babá Gibô, sentiu a vontade de criar um grupo musical e viu que no estado de Pernambuco não existia Afoxé em homenagem ao Orixá Iroko, divindade da ancestralidade e do tempo.

Clóvis Ramos, presidente do Afoxé Obá Iroko. Foto: Samuel Calado/DP

O grupo iniciou com seis pessoas moradoras da comunidade. Geralmente, os ensaios aconteciam no Centro Espírita José Menino, no Córrego da Calma, em Água Fria. O espaço foi cedido pela avó de Clóvis, o presidente do Afoxé. Com o tempo, outras pessoas começaram a frequentar os encontros e em menos de um mês, o grupo já contava com cerca de vinte pessoas e o espaço não comportava mais o número de componentes, sendo necessário ir para as ruas. No início o grupo tinha apenas duas músicas autorais no repertório. As outras, eram de domínio público ou de grupos de afoxés mais antigos, como a canção Quilombo Axé, do Afoxé Oyá Tokolê Owô, do bairro de Dois Unidos, na Zona Norte do Recife.

Apresentação do grupo no sertão. Foto: WhatsApp/Cortesia

Outras composições foram sendo feitas. Atualmente, a entidade cultural conta com 16 canções, todas escritas por Clóvis. O homem que tem uma sensibilidade imensa na forma de agir e na voz. No estúdio, enquanto gravava as melodias, o amor pelo orixá e a força de vontade deste homem eram notórios. O negro guerreiro se desdobra em mil pelo seu afoxé. Além de presidente, é compositor, costureiro, aderecista, pintor e cantor.

 

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Segundo Clóvis, a primeira apresentação do grupo aconteceu no carnaval do Recife de 2013, especificamente no Pólo de Água Fria. Naquele ano, o grupo desfilou com aproximadamente 40 pessoas. No cortejo, além da percussão, bailarinos vestidos com os orixás Odé, Xangô e Iroko abria os caminhos realizando os passos característicos de cada orixá. “Depois da apresentação de palco, seguimos por um percurso de um quilômetro, levando conosco vários desfilantes e admiradores do afoxé”, relata o presidente. Após as festividades de momo, o Obá Iroko recebeu o convite para se apresentar no projeto Terça Negra, organizado pelo produtor cultural Demir Favela, ativista bastante atuante e respeitado entre os povos de terreiros e grupos culturais afro.

 

Primeiras apresentações do grupo. Foto: WhatsApp/Cortesia

Com menos de um ano de fundação, o grupo já estava regularizado e documentado, podendo participar da grade de apresentações das prefeituras na Região Metropolitana do Recife. No mês de novembro de 2013, eis que surge um convite especial: “Recebemos a ligação da prefeitura de Serra Talhada para se apresentar na semana da consciência negra”, conta o presidente. E lá vai o grupo rumo ao Sertão do estado de Pernambuco, ansiosos em conhecer a nova cidade. No caminho, o que mais se ouvia era o som do agogô e do agbê sonorizando as canções do afoxé. Chegando na cidade sertaneja, durante o dia o grupo se apresentou em algumas escolas públicas e à noite, brilhou na Praça da Concha, localizada no centro comercial, para uma multidão de pessoas. 

 

Babalotin do grupo, que vem a frente dos cortejos. Foto: Samuel Calado/DP

Em 2014, a entidade cultural se filiou à União dos Afoxés de Pernambuco (UAPE), presidida pelo líder do Alafin Oyó, Fabiano Santos, da comunidade do V8, no Sítio Histórico de Olinda. “O conselho tem a intenção de unir os grupos e articular ações sociais durante o ano”, explica Fabiano. Através dessa ligação, o grupo pôde se fortalecer e perceber a importância do afoxé enquanto representatividade. “Vi que não somos apenas um coletivo que representa o terreiro cantando e dançando pelas ruas. Somos mais que isso. Somos um importante canal de representatividade e militância negra”, declara.

 

Esse conhecimento obtido nas rodas de diálogo e reuniões da UAPE deram mais força ao grupo para combater a intolerância religiosa dentro da comunidade.  O presidente relata que no início foi difícil até para conseguir o local dos ensaios. “Os moradores reclamavam do barulho e faziam várias reclamações com o intuito de nos silenciar, mas resistimos”.

Percebendo a dificuldade do grupo, a presidente do Caboclinho Canindé, Juraci Simões, falecida no ano de 2015, ofereceu a sede do grupo indígena, localizada no mesmo bairro, para a realização dos ensaios e mesmo após a sua morte,  os sucessores preservaram o pedido da antiga líder. Mas, a complicação não estava apenas no espaço, em uma visão geral, todos os grupos de matriz africana enfrentam na pele o racismo e a intolerância religiosa. “As pessoas da localidade nos perseguiam, dizendo que éramos do satanás. Muitas vezes quando nos aproximávamos vestidos com os nossos adornos, elas se afastavam. Isso só amenizou com o passar do tempo”. 

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Segundo os brincantes, as mesmas mães que colocavam os seus filhos para dentro de casa quando os ensaios começavam passaram a levá-los aos encontros. Viram como era importante que suas crianças tivessem aquela experiência para não crescerem com o preconceito naturalizado dentro de sí e também não se envolvessem com coisas erradas.  

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Atualmente, o Obá Iroko atende cerca de 50 pessoas com oficinas de dança, percussão e canto dentro da comunidade. “Hoje eles perguntam quando vai ter ensaio e se programam para estarem presentes. Fazem questão de participar e isso é muito emocionante”, conta Clóvis. A faixa etária das pessoas que participam do grupo é bem diversificada, vai desde os três meses de vida até 80 anos de idade.

Babalotin à esquerda e bailarino interpretando Iroko à direita. Foto: Samuel Calado/DP

De acordo com o líder do grupo, todas as vezes que o afoxé se apresenta nas ruas existe uma série de preceitos religiosos para pedir proteção às divindades que acontecem no terreiro Ilê Axé Xangô Ogodô, de tradição Ketu com raízes no Nagô, na comunidade da Bomba do Hemetério. Essas obrigações intensificam no carnaval. “Tudo o que fazemos pedimos autorização ao orixá Iroko, se ele permitir, a gente vai”, conta. Segundo ele, Iroko é a divindade ligada à ancestralidade. É o guardião das florestas, que possui uma árvore com o mesmo nome, considerada sagrada entre os religiosos de matriz africana. Suas cores são marrom, verde e branco. “É o senhor que protege o nosso afoxé, trazendo energias positivas e nos livrando de todo o mal. Eu sou um dos raros filhos desse Orixá”.

 

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O presidente explica que quando um filho de Iroko se inicia no santo, o terreiro planta a árvore para celebrar a ligação com o sobrenatural. “Esta divindade tem o rosto coberto por palhas ou conchas e está diretamente ligada aos orixás Odé, Ossaim e Xangô. Ele dança como se estivesse embriagado, com uma lança e uma forquilha (badoque) na mão”.

 

Percussionistas do Afoxé Obá Iroko. Foto: Samuel Calado/DP

Como todos os orixás, no Obá Iroko existe um boneco talhado com a madeira da própria árvore que garante a proteção dos brincantes: o babalotim. “Ele é carregado por uma criança indicada através do jogo de búzios e representa o orixá. Quando fazemos os cultos antes do carnaval, energizamos esse elemento para nos garantir paz na festividade. Ele passa o ano inteiro guardado no roncó (santuário) e só sai em cerimônias especiais”, explica.

 

Mesmo tendo Iroko como patrono, no afoxé se saúdam todos os orixás. A base rítmica do senhor da ancestralidade é a Ramúnia, sendo este toque o de entrada no grupo. Contudo, outras bases são musicadas como Agueré de Odé, o Ijexá de Oxum, o Egó de Iansã (conhecido também como quebra-louça) o Alujá de Xangô e o Ibí de Oxalá. Na ala da dança, existe um grupo de bailarinos que vêm vestidos com os orixás na frente e em seguida outros componentes realizando coreografias marcadas. 

 

Percussionistas do Afoxé Obá Iroko. Foto: Samuel Calado/DP

Quem só vê o grupo nos carnavais com sorrisos e batuques não imagina a luta que é por trás das cortinas entre as apresentações. Clóvis desabafa que para desfilar nas ruas existe um trabalho imenso que demanda bastante tempo e cautela. “Antes da festa eu passo dias sem dormir, costurando, preparando os instrumentos a reforçando a questão da espiritualidade, mas quando vejo o meu grupo na rua, esqueço de todos os problemas. Ergo minhas mãos para os céus e agradeço ao meu orixá por tudo que ele me deu”, agradece.

 

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Veja também  

 

 

EP 01: Conheça a história dos Afoxés em Pernambuco

 

EP 02: Afoxé: força e resistência da religiosidade de matriz africana na rua 

 

EP 03: Afoxé: sinônimo de resistência e trabalho social

 

EP 04:  O sentido da dança nos Afoxés de Pernambuco 

 

EP 05: A essência da musicalidade nos afoxés de Pernambuco 

 

EP 06: Filhos de Dandalunda: beleza e riqueza da Nação Angola em Pernambuco 

EP 07: Afoxé Ará Omim, o canto da resistência negra na Região Metropolitana do Recife

 

 

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