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Crítica: Bacurau é o Nordeste que resiste à barbárie fascista

Lunga, interpretado por Silvério Pereira, é um dos personagens mais fascinantes do longa. Foto: Cinemastocópio/Divulgação

Uma das características mais potentes da arte é sua capacidade de ser o espírito de uma época, o sinal de um tempo, um registro histórico. O longa-metragem Bacurau, dos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, carrega essa peculiaridade. Um misto sofisticado de faroeste, suspense e ficção científica, o filme tem um timing perfeito para o momento social e político que aflige o Brasil. Não por acaso, desbancou nomes como Almodóvar, Tarantino e Dolan no Prêmio do Júri de Cannes deste ano. Também venceu categorias no Festival de Cinema de Munique, Festival de Cinema de Lima e é um dos selecionados da Secretaria do Audiovisual para tentar indicação no Oscar de 2020.

O curioso é que a proposta inicial da obra foi feita em 2009. Ao passar dos anos, os cineastas assistiram a ficção reclinar sob a realidade de forma assombrosa. Esse “zeitgeist”, no entanto, já é algo comum para Kleber Mendonça Filho. Seu primeiro longa-metragem ficcional, Som ao redor (2013), era espelho da classe média brasileira (em ascensão naquela época). Nele, a Zona Sul do Recife era palco de um suspense experimental em edifícios urbanos que carregavam as heranças colonialistas e rurais de Pernambuco.

Velório de Carmelita, com Barbara Cohen. Foto: Victor Jucá/Divulgação

Bacurau é um vilarejo do município fictício de Serra Verde, no Oeste de Pernambuco. Inicialmente, o fio condutor da trama é Teresa (Barbara Cohen), que retorna para o velório a avó Carmelita (Lia de Itamaracá), uma matriarca local. A primeira parte do filme, com várias tiragens cômicas típicas de produções audiovisuais no interior nordestino, é dedicada a apresentar personagens singulares que compõem a cidadezinha. Conhecemos a médica Domingas (Sônia Braga), o professor Plínio (Wilson Rabelo), o “matador” Pacote (Thomás Aquino), o foragido Lunga (Silvério Pereira), o político demagogo Tony Duda (Thardelly Lima). É uma comunidade que tem fim em sí mesma.

O suspense entra em cena quando um disco voador corta do céu, - a música de abertura é Não identificado, na voz de Gal Costa - aproximando o filme de um sci-fi retrô no melhor estilo do norte-americano John Carpenter - uma das notáveis inspirações longa, que tem até uma faixa de Carpenter na trilha sonora. Essa série de episódios inusitados segue com o sumiço do vilarejo no mapa, um caminhão pipa que aparece baleado, uma dupla de motoqueiros desconhecidos, assassinatos inexplicáveis. Bacurau está sendo, efetivamente, atacada por uma força externa e misteriosa.

Domingas (Sônia Braga) e Michael (Udo Kier). Foto: Vitrine Filmes/Reprodução

Com final apoteótico, "tarantinesco" e de prender o fôlego, Bacurau é um conto épico sobre o Sertão, uma espécie de Canudos futurística que expõe como carne viva na janela as nossas desigualdades regionais e sociais. No mundo real, o Nordeste se tornou um contraponto ao Brasil por não ter escolhido a extrema-direita nas eleições de 2018. Mas, como já disse Kleber Mendonça Filho em inúmeras coletivas, esse não um filme sobre o governo de Jair Bolsonaro, e sim sobre problemas crônicos do Brasil, um país que parece estar sob um eterno regime colonial.

Foto: Cinemastocópio/Divulgação

Assista ao trailer:

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