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Diretor do Museu da República, Charles Cosac tem que driblar falta de verba

Charles Cosac assumiu a direção do Museu Nacional da República no início do ano e quer montar uma agenda de exposições sobre a história da arte no Brasil

Charles Cosac: 'o museu é laico, apartidário, lindo e maravilhoso'. Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília.

“Acho que eu estaria fadado a trabalhar em museu pela minha formação, mas o destino me levou para a edição de livros e depois esticou para a Biblioteca Mário de Andrade. Daí, surgiu a oportunidade (em Brasília). Eu me senti um pouco velho, mas o desejo foi mais forte de aceitar”, conta o diretor, que tem mestrado em história da arte pela Universidade de Essex (Inglaterra).

Aos 55 anos, Charles Cosac é uma das referências em edição de livros de arte nas últimas décadas. Em 1996, ele criou a editora Cosac & Naify, especializada em edições impecáveis dedicadas às artes, à literatura e a disciplinas como antropologia, filosofia e sociologia. A Cosac entrou em falência e fechou as portas em 2015. Em janeiro de 2017, ele foi convidado para dirigir a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, uma instituição com orçamento médio de R$ 11 milhões.

Quando soube que o museu brasiliense não tinha orçamento, Charles até pensou em desistir. “Não me contaram isso”, garante. “Mas o pessoal que trabalha aqui há 10 anos é muito legal, me recebeu com muito carinho. Cheguei em Brasília sozinho, sem conhecer ninguém, e vi a dificuldade deles, refleti essas dificuldades em mim. O momento político não é o mais favorável, há muitas expectativas, mas, como na biblioteca, acho que o museu é laico, apartidário, lindo e maravilhoso. E luto nessas quatro frentes. Ele não tem partido político, não tem religião e tem um objetivo que é estipulado pela lei. Então, não é tão complicado assim."

Cosac dividiu o museu no que chama de frentes: uma de exposições, outra de manutenção. Ele quer mudar o perfil das exposições e trazer para a instituição mostras historiográficas porque acredita que a vocação do museu é, também, pedagógica. Para o próximo ano, o diretor negocia a vinda de coleções como a de Sérgio Fadel, a da Fundação Edson Queiroz e a de João Carlos de Figueiredo Ferraz, além de obras pertencentes ao Banco Central, que ele gostaria de expor permanentemente no mezanino. São acervos capazes de contar a história da arte brasileira de maneira cronológica. Para Cosac, o museu estava excessivamente mergulhado na arte contemporânea quando o público não conhecia, ainda, a história da arte do Brasil. “Eu sou meio didático. Acho que, no frigir dos ovos, o que me preocupa mais é a educação, mais até do que audiência. O museu tem que educar e o museu pode educar inclusive vazio”, acredita.

O diretor também quer rever as exposições de artistas de Brasília no Museu Nacional. Com a perspectiva de inauguração do Museu de Arte de Brasília (MAB) em 2020, ele acredita que haverá espaço para a produção brasiliense em locais mais apropriados. Cosac conta que tentou o Espaço Oscar Niemeyer, pensando no local para exposições da cidade, mas não conseguiu. Diz também que agora tenta a Galeria Fayga Ostrower, da Funarte. Em entrevista, ele conta quais são os planos para o Museu Nacional da República.

Qual foi sua primeira impressão do Museu Nacional?

Quando a gente entra num lugar pra ficar, você entra com olhar especulativo. O museu está em boas condições, minha nota ´´e B%2b, às vezes B. B-... Dei B. Isso já era um ponto a favor do meu trabalho porque o museu está em condições de receber, tem o elementar. Claro que existem deficiências, mas nunca fui a nenhum museu que não tivesse deficiências.

Quais são as deficiências?

Coisas superficiais. O museu não tem problema estrutural algum. A parte estrutural está perfeita. O que o museu precisaria é de uma pintura, o que não é tão oneroso, e a troca de piso, que o próprio escritório do Oscar Niemeyer recomendou. São reformas superficiais. Gostaria que o museu fosse iluminado por fora, o que é mais complicado, e também em torno do museu. Os meninos andam de patins aqui, tem torneios. E sonho em transformar esse pátio em uma concentração de esportes leves, como vôlei, peteca, frisbee, tenho que ocupar esse espaço.

Mas ele não é já bem ocupado? Tem shows, festivais de teatro, feiras...

Mais ou menos. Não. Tem dia que é perigoso sair daqui à noite, quando fico até mais tarde. E não tem muita sinalização. E tem o terminal rodoviário, que atrapalha. Pra pegar Uber, você tem que dar muitas explicações até ele entender. Não é tão fácil assim.

Você falou de coisas estruturais, mas está assumindo um museu que não tem orçamento e essa é uma das maiores dificuldades dele…

A gente está fazendo uma Associação de Amigos, que já foi lançada. Não é de amigos e patronos, são pessoas, profissionais liberais, geralmente brasiliense, ou filhos de candangos ou profissionais que vieram de Brasília. Eu não queria boleto, então é um grupo de pessoas que querem bem, a priori, que são vários círculos concêntricos. Como diretor do museu, coloco o museu no centro, depois Brasília, depois Brasil, depois o mundo. São pessoas que estariam entre museu e Brasília. A verdade é que existem profissionais liberais que têm interesse no destino dos equipamentos culturais da Secretaria de Cultura, existe expectativa em relação ao MAB, ao próprio Teatro Nacional, isso tudo está latente. A associação de amigos e CNPJ nosso me permitiria inscrição em vários projetos de fomento à cultura, ao restauro e a melhorias que podem ser feitas. Assim conseguiria dar conta do não orçamento. E as exposições, estou dialogando com várias entidades, que seriam entidades mais fortes. Seriam exposições de perfil mais museológico, didático, paradidático, que é um aspecto que precisa ser explorado. E no mezanino, estamos dialogando que boa parte da coleção do Banco Central fique aqui permanentemente. Isso permitiria ter sempre à mostra um panorama bem rico da arte no Brasil no século 20.

Qual a vocação desse museu?

Eu me preocupo muito com público, o nosso público não é iniciado, mas o fato de não ser iniciado não quer dizer que não possa absorver. Acho que, num museu sem dotação, tudo que posso criar enquanto produto é educação. Essa educação pode se dar através do mero olhar, trazendo crianças, jovens e adolescentes que um dia possam pensar “quero ser artista e trabalhar nesse museu”, criando um sentimento de posse e de propriedade. Eu venho para cá diariamente de Uber e o que mais escuto é “nunca entrei aí”.

No entanto é um museu muito visitado, está entre os mais visitados do Brasil...

Mas, o problema é que a arquitetura dele é muito contundente e estamos tentando criar o miolo do museu. As pessoas vêm até segunda-feira, quando está fechado. Elas vêm tirar fotos na frente do museu e isso é um grande ganho para nós. É um ponto positivo que me fez enfrentar esse projeto. Existe um público, um museu, um endereço, tudo é muito convidativo, basta converger todos esses pontos em benefício do museu. Faltam aqui exposições mais historiográficas.

Esse museu tem sido um espaço para os artistas de Brasília e exposições de arte contemporânea que não são historiográficas. Isso vai continuar?

Pretendo mesclar. Tenho adoração pelo (Wagner) Barja, é um herói pra mim. A gente diverge em visões historiográficas. Acho que o Barja não fazia convites, ele aceitava convites. Eu já faço convites. A grande diferença é essa. Se eu detecto que uma exposição está acontecendo e ela poderia enriquecer o museu, peço que venha. Barja tinha uma visão mais contemporânea do museu. Agora, acho que o Museu Nacional da República não pode ser um museu de arte contemporânea, tampouco um museu para os laureados no FAC. Claro que a gente está vendo espaços alternativos para alojar essas outras exposições. E a Secult pretende abrir o MAB no primeiro semestre do ano que vem. Isso nos põe em posição frágil de um lado e mais aberta de outro. Frágil porque grande parte do acervo bom deste museu não é nosso, é do MAB e vai ser repatriado para o MAB; então, a gente vai perder. A gente vai ter o MAB como opção expositiva e isso vai aumentar o leque de possibilidades.

Você tem ido às galerias da cidade. O que viu? O que acha da cena brasiliense

Estou fascinado. Não conhecia. Toda segunda-feira visito três galerias na parte da tarde para me familiarizar com panorama local, que não é exclusivamente local porque tem artistas de fora, mas tenho visto coisas surpreendentes. Um panorama pungente, novo. O mercado de arte ainda é frágil, mas é nascente. Sinto que as pessoas, infelizmente, preferem as galerias paulistanas às brasilienses, mas acho que isso tudo é questão de tempo.

Você disse que o museu não é para contemplados do FAC. Isso quer dizer que não vai haver exposição de artistas locais?

Acho que nosso público é um público humilde, é o público da Rodoviária que predomina. Tem o público de terça a quinta que vem e vai nos vernissages, e tem o público estudantil. O Barja falava de museu espelho, mas eu falava “não estou me vendo e não acho que essas pessoas estejam se vendo”. É muito contemporâneo, são ocupações. Acho que elas (as pessoas) prefeririam ver coisas históricas, que contassem uma história, que desse sensação de pertencimento: quem são os artistas do Brasil, o que é o Museu Nacional da República, quais são os outros museus que existem, o que é o patrimônio histórico?  Acho que é mais fácil uma coisa datada, arte de X a Y. Eu sou meio didático. Acho que no frigir dos ovos, o que me preocupa mais é a educação, mais até do que audiência.

Para isso precisa de dinheiro e o museu não tem orçamento. Como imagina fazer isso?

As exposições teriam que ser pagas pelos expositores. A gente está fazendo projeto na Lei Rouanet. Por enquanto, pelo menos até 2020, não posso ter nenhuma iniciativa pessoal de fazer uma exposição porque a gente não tem recurso para isso.

Você está acompanhando a redução dos patrocínios com as crises na Petrobras e na Ancine? O que você espera para a área de artes visuais? As coisas vão ficar mais difíceis?

Não vão ficar impossíveis. Minha família trabalhou diretamente com cinema, são orçamentos totalmente distintos. O valor de um filme, de um espetáculo e de uma exposição são bem diferentes. Se vão limitar a arrecadação da Lei Rouanet, esse limite ainda nos permite expor. Com R$ 350 mil faço uma exposição nota A, na base da austeridade. Não preciso de R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões. Aí também vai da boa vontade das pessoas: não adianta você superfaturar sua obra para encarecer o seguro, inviabilizar a vinda. Isso sempre tem. Uma coisa que aprendi em todo lugar que trabalhei é que sempre tem uma abelha rainha, um novilho de ouro e um espírito de porco. Essas três figuras existem e parte do meu trabalho é saber lidar com esses personagens que são típicos. Não vejo nenhuma particularidade nesse museu vis a vis dos outros museus. Claro que é sui generis um museu sem dotação, mas que remédio? O que posso fazer?

 

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