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Coletivo teatral O Poste capacita talentos para sobreviver em tempos de crise

Tempos de crise econômica são árduos para o ramo da cultura, principalmente para linguagens artísticas que costumam ser menos acessadas pelo grande público, como o teatro. Nos últimos anos, alguns espaços físicos de coletivos teatrais fecharam as portas, a exemplo do Espaço MARÉ e Coletivo Lugar Comum. O Espaço O Poste Soluções Luminosas (Rua da Aurora, 529, Boa Vista), que costuma receber espetáculos de teatro, dança e música, viu-se numa encruzilhada para manter em dia as despesas de aluguel, energia e demais tributos. No ano passado, a criação de uma escola de artes cênicas impediu o encerramento das atividades.
Agora, os teatrólogos pernambucanos Samuel Santos (direção), Naná Sodré e Agrinez Melo (assistentes) dão continuidade ao projeto Escola O Poste Antropologia Teatral, que se baseia em exercícios propostos por nomes como Eugenio Barba e Jerzy Grotowski para trabalhar técnicas oriundas de expressões regionais como cavalo marinho, maracatu rural, capoeira e movimentos ancestrais baseados em orixás. Isso tudo aparece sempre fazendo diálogos e paralelos com culturas de territórios distantes, como dança do ventre (Oriente Médio e Ásia), haka (Nova Zelândia) e tai chi chuan (China).
O coletivo O Poste Soluções Luminosas surgiu em 2005 para trabalhar na iluminação de espetáculos, atendendo a uma demanda da cena teatral recifense naquele período. “Só nos transformamos em um coletivo teatral como é hoje em 2008, quando Samuel Santos entrou para o grupo. Ele nos apresentou o texto Cordel do amor sem fim, que acabou sendo o nosso primeiro espetáculo”, conta Naná Sodré, uma das fundadoras. “Em seguida, fizemos peças como Ombela (2013) e Anjo negro (2014), uma adaptação do Nelson Rodrigues.”
O espaço físico só foi inaugurado em 2014. Consiste em um espaço que agrega até 70 pessoas, com pallets e arquibancadas que possibilitam múltiplos formatos de organizar a plateia - não apenas o formato do palco frontal. “Assim, o teatrólogo consegue pensar o teatro em outras perspectivas. Surgimos com essa proposta de fazer com que a cidade veja a arte de uma forma diferente, podendo debater mais determinadas estéticas e políticas que constroem o ser humano. Nós, a Companhia Fiandeiros de Teatro e o Espaço Cênicas funcionamos como ambientes que atuam no mercado teatral do Recife hoje, funcionando também como espaços de formação. É importante que exista uma manutenção”, continua Sodré.
Desde então, O Poste tem recebido espetáculos de diversas linguagens artísticas. A parceria com os realizadores nasce através de locações pagas, já que a casa não recebe ajuda de instituições ou empresas. “Como estamos vivendo um período de desmonte na cultura, muitas produções não estão utilizando mais o local. Começamos a ter dificuldade para pagar impostos, tendo que recorrer a ações de economia criativa”, admite. “A Escola O Poste Antropologia Teatral veio com o amadurecimento do grupo, já que agora contamos com vários professores de carga curricular. No momento, o curso é crucial para o sustento da ideologia e da estética que propomos”.
O diretor Samuel Santos define a escola como um ambiente de prática para o ator, já que são poucas cadeiras teóricas. “No curso, usamos as nossas referências culturais negras e criamos uma sistemática de treinamento para o artista. O meio acadêmico é repleto de referências eurocêntricas, vindas de países como Alemanha e Rússia. Nós queremos descolonizar esse aprendizado sem abandonar essas referências, mas trazendo para um contexto de cultura ancestral afro-brasileira”, explica Santos. “O aluno ainda pode transitar entre outras culturas do mundo, já que estamos sempre tentando mostrar a equivalência das expressões locais com outras manifestações internacionais.”
PESQUISA
A proposta, inclusive, dialoga com a atual pesquisa do grupo, intitulada O corpo ancestral dentro da cena contemporânea, que investiga performances ligadas à tradição de ritos sagrados. Eles seguem os estudos de teóricos como o diretor polonês Jerzy Grotowski, que direcionou sua investigação com artistas ligados à tradição de ritos sagrados, e Eugênio Barba, com a “antropologia teatral”, que destaca a importância da anatomia para o ator e sua construção a partir da observação cultural e ritualística.
"A escola é importante pelas temáticas abordadas, mas também que continuemos vivos", ressalta Naná. "Ainda mais no momento em que estamos vivendo, com novas e antigas estratégias de cerceamento da liberdade e bloqueio da cultura. Quantos artistas estão sem saber como vai ser o dia de amanhã? Quanto mais perto estivermos da aprendizagem e da evolução, mais estaremos próximos da liberdade. Nós artistas precisamos nos estruturar, nos unir e agregar valores. A tendência é que isso se fortaleça cada vez mais, para continuarmos vivos".
SERVIÇO
Início: 23 de abril
Período: terças-feiras e quintas-feiras, das 18h30 às 21h30, até dezembro
Mensalidade: R$ 150
Inscrições: os interessados devem enviar carta de intenção e currículo para o e-mail oposte.oposte@gmail.com.
Na escola, o aluno receberá material pedagógico, certificado e, no final do curso, apresentará um espetáculo com base nos princípios trabalhados.
Disciplinas
O corpo-sim no jogo do palhaço (com Arilson Lopes)
Capoeira no jogo do ator (Orun Santana)
Tradições da Mata: Cavalo marinho e maracatu de baque solto na construção do ator (Andala Quituche)
Dramaturgia dos orixás - Práticas de treinamento ancestral (Agrinez Melo)
Matriz africana baseada nos movimentos dos orixás (Sylvya Olyveyra)
Consciência corporal: Arte marcial como ferramenta (Mestre Manoel Ramos)
História do teatro contemporâneo (Naná Sodré)
Interpretação 3 (Samuel Santos)