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'Cultura é vetor do desenvolvimento', diz o Ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão. Confira a entrevista

'Atividades culturais empregam um milhão de profissionais e já respondem por 2,6% do PIB. A sua taxa de crescimento é o dobro da média da economia nacional. Não podemos desperdiçar esta vocação brasileira', diz

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Ministro da Cultura participa hoje no Recife de lançamento da maior premiação do País para manifestação da cultura popular, como o maracatu. Foto: Arquivo/DP


Aos 51 anos, o jornalista Sérgio Sá Leitão ocupa um cargo em que quem dá entrevista é ele: o de ministro da Cultura, pasta que assumiu em julho do ano passado. Ele estará hoje no Recife, para lançar a sexta edição do Prêmio Culturas Populares. Nesta quinta-feira (26), ele falou com o Diario sobre os planos que têm para o ministério e sobre o papel de Pernambuco e do Nordeste nesse futuro idealizado. 

Seu maior desejo é tornar a indústria audiovisual brasileira a quinta maior produtora do setor no mundo - atrás de Índia, Estados Unidos, Nigéria e China. O ministro acredita que o Brasil tem potencial para transformar-se numa espécie de “Hollywood do Hemisfério Sul”. É uma meta ambiciosa, mas factível, considera ele. 

Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele foi repórter e editor do Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo. Para ele, não há dúvida que jornal é cultura. "Sou um entusiasta do jornal e do jornalismo em todas as suas formas", diz. "E sigo tendo um grande prazer na leitura de um jornal físico. Leio o digital por necessidade. Por prazer, nada como o impresso", completa. 

No primeiro governo Lula (2003-2006), foi chefe de gabinete e secretário de políticas culturais do Ministério da Cultura, na gestão de Gilberto Gil. De 2009 a 2015 foi diretor-presidente da RioFilme (RJ), cargo que no período 2012-2015 acumulou com o de secretário municipal de Cultura do Rio. 

Participou da elaboração da Lei 12.485, que regulamenta a TV paga no Brasil, e também da criação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).  É hoje especialista em economia criativa, indústria do entretenimento e indústria do audiovisual. Quando o presidente Michel Temer o chamou para o ministério da Cultura, era diretor da Ancine (Agência Nacional do Cinema). 

Numa situação normal de temperatura e pressão, o cargo de ministro da Cultura já seria uma tarefa difícil - os recursos são poucos, e na divisão dos espaços de importância da República, os maiores nacos nunca estão no setor das atividades culturais. No caso de Sérgio Sá Leitão, pode-se dizer que a tarefa tem um grau de dificuldade a mais: ele assumiu faltando 17 meses para o final do mandato do governo. Agora, faltam oito. Jornalistas e gestores têm um ponto em comum: trabalham contra o tempo. No relógio deles está sempre faltando um minuto para a meianoite. Sérgio Sá Leitão, jornalista e gestor, está familiarizado com a premência do tempo - e, como se vê na entrevista abaixo, quer utilizá-lo até o último segundo. 

O senhor vem ao Recife para lançar o edital de prêmio para o setor da cultura popular. Qual a importância, nos dias de hoje - de comunicação instantânea, Era Digital, serviços de streaming, badulaques tecnológicos -  de um prêmio como o Culturas Populares, que trata de algo que parece pertencer a um mundo em vias de desaparecimento? 

Queremos justamente que as tradições culturais não desapareçam. E sejam cada vez mais valorizadas, respeitadas e também rentabilizadas. São ativos importantes da cultura e da economia do país. O MinC precisa tanto impulsionar o novo quanto contribuir para preservar e amplificar o tradicional. Há espaço para tudo. O Prêmio Culturas Populares reconhece a importância de nossas tradições culturais e dos que as mantêm vivas e potentes em todas as regiões. 

O senhor tem planos de transformar a indústria audiovisual brasileira na quinta maior do mundo. Como isso pode ser feito? É meta factível para um governo só? 

Já estamos trilhando este caminho. Se investirmos adequadamente cerca de R$ 1 bilhão por ano, em todos os elos e cadeias de valor da atividade, usando mecanismos automáticos e seletivos de investimento, além de crédito, em 10 anos teremos uma das cinco maiores indústrias audiovisuais do mundo. Este é o valor que podemos ter anualmente no Fundo Setorial do Audiovisual, somando a arrecadação de Condecine e as receitas.  O potencial é imenso. E a oportunidade é única, com as transformações tecnológicas em curso. Precisamos de mais eficiência e eficácia. 

Nos últimos 20 anos Pernambuco desenvolveu uma bem- sucedida produção cinematográfica. Como Pernambuco poderia participar desse plano de expansão da indústria audiovisual do Brasil? 

Pernambuco já é um dos principais centros de criação e produção de conteúdos audiovisuais do Brasil. E tem potencial para crescer ainda mais, sobretudo se houver uma diversificação maior de tipos e gêneros de obras, além de um reforço em termos de infraestrutura e tecnologia. Talento e qualificação profissional não faltam. O apoio contínuo dos governos locais é fundamental. Em 2017, o MinC instalou em Pernambuco 15 Núcleos de Produção Digital, que são kits com equipamentos de produção audiovisual. É um exemplo importante. 

Como o Ministério da Cultura pode atuar no combate às desigualdades regionais? É possível fazer este combate na prática, apenas com a “canetada do ministro”, ou ela só é possível com a mudança de legislações? 

O Ministério da Cultura tem atuado de diversas formas para combater as desigualdades regionais. Boa parte dos editais que foram lançados em minha gestão trazem cotas ou indutores que estimulam o investimento nas regiões mais carentes de recursos, promovendo a desconcentração. Também na nova Instrução Normativa da Lei Rouanet. Proponentes da região Nordeste, por exemplo, têm o teto de captação de recursos expandido em 50%. Em outra frente, temos percorrido os 27 estados brasileiros para capacitar produtores, empreendedores e gestores culturais, de modo que possam usar mais e melhor os mecanismos federais de fomento. 

Nessa luta nossa de cada dia pelo feijão e pelo sonho, a cultura como atividade econômica tem relevância ou é só deleite? 

A cultura deve ser encarada como um vetor de estímulo ao desenvolvimento econômico do país. Esta é a principal bandeira da minha gestão. As atividades culturais e criativas já respondem por 2,6% do Produto Interno Bruto, empregam um milhão de profissionais e reúnem 200 mil empresas e instituições, com uma média salarial e uma taxa de crescimento que, nos últimos anos, correspondem ao dobro da média da economia brasileira, segundo estudo da Firjan. O potencial de crescimento, e de contribuição para o desenvolvimento pleno e sustentável do Brasil, é gigantesco. Não podemos desperdiçar esta vocação brasileira. 

O senhor participou do Ministério da Cultura durante a gestão do ministro Gilberto Gil. Existe algum ponto em comum entre aquela gestão e a sua? 

Foi uma experiência sensacional. Muito importante para a minha formação pessoal e profissional. Estou usando agora muito do que aprendi naquele momento. Gilberto Gil é uma permanente fonte de referência e de inspiração. No MinC, foi um maestro e um visionário. Naquela época, me dediquei muito ao tema da economia criativa. Agora, volto a trabalhar com isso, retomando algumas iniciativas da gestão Gil. Estamos recuperando e renovando o programa Cultura Viva, de microfomento. Acabamos de anunciar um investimento de R$ 15 milhões na rede de pontos de cultura de São Paulo, por exemplo. 

O senhor começou sua carreira como jornalista, migrando depois para a gestão cultural. É a pessoa certa para responder: Jornal é cultura? 

Sim. E não apenas no que se refere ao jornalismo cultural. É, aliás, um produto indispensável. Torço para que o jornalismo de qualidade não perca seu espaço. A saúde da nossa democracia depende, entre outros fatores, da imprensa livre, independente e responsável. Sou um entusiasta do jornal e do jornalismo em todas as suas formas. E sigo tendo um grande prazer na leitura de um jornal físico. Leio o digital por necessidade. Por prazer, nada como o impresso. 

Prêmio destina R$ 10 mi para ações da cultura popular 

O Prêmio Culturas Populares 2018 será lançado hoje no Recife, às 10h, no Cais do Sertão, pelo ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão. Trata-se da maior premiação no setor da cultura popular do país, em termos de recursos destinados (total de R$ 10 milhões) e iniciativas contempladas (500). Esta é a sexta edição do prêmio, que agora homenageia a coquista, cantora e compositora  pernambucana Selma do Coco, falecida em 2015. 

O lançamento terá também caráter festivo, com a participação de atrações musicais e de dança. O objetivo do concurso, segundo o Ministério da Cultura (Minc), é fortalecer expressões culturais populares e fazer com que as atividades culturais da área ganhem maior visibilidade.  Entre as iniciativas previstas a serem beneficiadas estão manifestações do maracatu, cordel e bumba-meu-boi, entre outras. 

Na edição do ano passado, que homenageou o poeta Leandro Gomes de Barros, houve recorde de inscrições: 2.862. O Nordeste teve o maior número de iniciativas selecionadas, 258. Em seguida vieram  o Sudeste, com 151; Norte, 42; Centro-Oeste, 21, e Sul, 28. Cada uma das iniciativas recebeu R$ 10 mil.