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A Força do Querer: Atriz comemora sucesso e defende cena de espancamento do transexual Ivan

Transição de gênero em A força do querer iluminou a carreira da atriz e criou um símbolo de luta pela diversidade

Personagem leva horas para ficar caracterizada: pêlos da barba são postos um a um. Foto: Globo/Reprodução


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A transformação de Ivana, filha de Eugênio (Dan Stulbach) e Joyce (Maria Fernanda Cândido), em Ivan é um dos fortes pilares construídos por Gloria Perez em A força do querer e chegou a despertar estranhamento e dúvida quando anunciada. Desenhada com singeleza e tom didático, a descoberta, com ajuda do modelo transexual Tarso Brant, propicia discussões sobre termos, preconceitos, impasses, dificuldades sociais e importância do apoio da família. Nos próximos episódios, ele vai enfrentar um espancamento sucedido de aborto espontâneo.

Os diálogos - alguns dolorosos, especialmente entre mãe e filho - têm potencial de tocar não apenas pelas barreiras impostas pelos padrões heteronormativos, mas também pela carga dramática a pairar sobre a residência dos Garcia. "Eu tô andando pouco na rua ultimamente, mas as pessoas estão aceitando superbem a personagem e essa fase da personagem, o que me deixa bem feliz. A gente construiu isso tudo para chegar até aqui. As pessoas estão sendo muito carinhosas com o Ivan, felizes", comemora ela.

Envolvida no debate pelos direitos LGBTQ, Carol criticou a polêmica decisão liminar de um juiz do Distrito Federal através da qual psicólogos podem adotar a terapia de reversão sexual, popularmente conhecida como "cura gay". "Passar argila na cara é um dos tratamentos da cura gay. Se você é gay, tente também e compartilhe com a gente a sua cura! Sua pele vai ficar ótima, bicha! (Esse post contém ironia)", ridicularizou ela, namorada da fotógrafa Aline Klein.

Apesar das críticas enfrentadas nas redes sociais - em coro com as bandeiras contrárias aos direitos humanos -, ela assegura não ter sofrido qualquer tipo de agressão pessoal. Ao contrário: chegou a receber um mimo de uma criança de 9 anos - uma geleca (brinquedo semelhante à massa de modelar, mas gelatinoso). "A minha geração não viu isso. Acho que vai marcar de alguma forma as discussões que a gente está tendo. Os senhores e senhoras mais velhos também têm o maior carinho e querem proteger Ivan de alguma forma", analisa Carol.

Apoio do pai, Eugênio, será ponto decisivo para o personagem. Foto: Estevam Avellar/Globo

O acolhimento de Carol nas ruas é espelho dos ótimos índices no Ibope: A força do querer atingiu, no início do mês, a melhor média semanal (41 pontos) desde o fim de Amor à vida (44 pontos), em São Paulo. A cena na qual assume a identidade masculina para a família, entre lágrimas e gritos, e corta os cabelos para adaptar a aparência ao gênero, cravou 44  e 42 pontos (RJ e SP).

A caracterização demora horas: implantados um a um, tomam cerca de duas horas diárias os pêlos da barba, fruto da ingestão de hormônios masculinos por Ivan. Carol também precisou cortar o cabelo e parar de depilar a perna desde o início do ano. Após tanto tempo de imersão - desde o teste, em abril do ano passado, no qual foi inicialmente reprovada -, ela pretende tirar um tempo de folga quando acabar a novela, em 20 de outubro. Diz ainda não ter renovado contrato com a Globo, mas, diante do alcance de Ivan, é esperado vê-la em outras produções em breve.

*A jornalista viajou a convite da Globo

ENTREVISTA// CAROL DUARTE

Transição de gênero foi retratada de forma singela e emocionante. Foto: Raquel Cunha/Globo

A repercussão é uma coisa muito legal. Eu vi esses dias que o Ministério Público do estado de Roraima, se não estou enganada, postou uma foto do Ivan, da cena em que ele foi buscar emprego e não conseguiu porque, quando dava o RG, o nome não condizia com a aparência. Era uma publicação dizendo "Ivan, você não precisa se preocupar, porque aqui você pode usar o nome social". Essa repercussão toda dá sentido ao trabalho, essas conquistas sociais. É muito legal ver o público reolhando essa questão, olhando para as pessoas trans de uma outra forma, compreendendo o estudo. Isso me faz entrar dentro do estúdio todo dia felizona.

Risco de rejeição

Acho que esse risco existia, sem dúvida. Mas, principalmente pela dramaturgia da Gloria, como caminhou com a trama da Ivana, fez o público ir descobrindo junto com ela, olhar a questão sem já ter um preconceito, ou seja, compreender o que acontece com a personagem.

Cena marcante

Aquela sequência toda em que revela e corta o cabelo, sem dúvida. Todo mundo que gravou neste dia, tanto o elenco quanto a técnica, ficou mexido, porque é muito forte aquela cena em que ela corta o cabelo. Na medida em que tem uma liberdade, tem uma certa despedida. Foi muito intenso, é quase performática, porque é uma só, o cabelo não tem como voltar: ou eu estava ali ou estava ali. E faz a gente mergulhar em lugares que a gente até desconhece.

Críticas e preconceito

As questões que chegaram até mim, nas minhas redes sociais, tinham bastante um cunho religioso. Eu não discuto, não bato com isso. Acho que cada um tem sua religião e a gente tem que respeitar. As pessoas que escrevem dizem que Deus criou o homem e a mulher, esse tipo de discurso. Mas é imediato: as pessoas começam a rebater. Até agora, pessoalmente, nunca tive uma experiência de alguém ser agressivo comigo, o que é muito legal de ser falado. A gente sabe que o Brasil é um dos países em que mais matam trans, as pessoas morrem por serem trans.

Agressão e aborto

Quando eu fiquei sabendo que ia ser pelo espancamento, fiquei em alguma medida triste, porque isso acontece. Isso faz parte também desse mundo: pessoas são mortas por serem trans. É importante aparecer na novela também. Já teve cenas em que o Ivan de alguma forma foi agredido na rua, verbalmente ou quase fisicamente, então já teve uma prévia. Uma pessoa trans me disse uma coisa terrível: existe estupro corretivo. Isso é muito pesado. Acho que é interessante a Gloria colocar esse tipo de violência, que acontece nas ruas todos os dias.

 

Gravidez trans

Conversei com algumas pessoas sobre o tema. É direito também de um homem trans engravidar, se ele quiser. Acho interessante mostrar que existe essa possibilidade. E existem casos. Se você buscar na internet, você vai encontrar casos de homens que ficaram grávidos.

Movimentos sociais

Antes de fazer a novela, eu fazia a Escola de Arte Dramática dentro da Universidade de São Paulo. Lá, se discutia muito essa coisa do machismo, então eu sempre estive de certa forma próxima a esse tipo de discussão. Claro que me aproximei com a questão trans, muito, e ainda tenho contato com pessoas que são de movimentos. Converso e quero saber o que estão achando. E eles me falam também, acho importante saber. Quando comecei a construir o Ivan, procurei ver pontos de vista muito diversos sobre o tema. Várias pessoas trans, que tinham experiências diferentes: da periferia, que viviam uma coisa, de classe média alta, que viviam outra muito diferente, para que o Ivan fosse construído a partir de uma certa pluralidade, e que a Gloria iria dar um certo direcionamento na dramaturgia. Então, nessa pesquisa, eu acabei me aproximando de algumas pessoas que fazem parte de alguns coletivos.

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