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Jack Kirby: cem anos após o nascimento, cocriador dos X-Men, Capitão América e outros heróis segue pouco conhecido

Um dos pilares da Marvel, artista acabou ofuscado por Stan Lee e não recebendo o devido crédito pelas criações

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Kirby é considerado por muitos o maior nome dos quadrinhos de super-heróis e serve como referência até hoje. Foto: Marvel/Divulgação


Virou tradição, nos filmes baseados em quadrinhos da Marvel, as aparições rápidas de Stan Lee, reverenciado como criador máximo do panteão de heróis do tradicional selo. Quem acompanha o universo cinematográfica do estúdio provavelmente já está familiarizado com o velhinho simpático e bonachão que faz pontas bem-humoradas em quase todos os títulos. Mas parte expressiva de tudo que é visto hoje na tela grande, e nas páginas das HQs da editora, é creditada a um nome menos popular: Jack Kirby.

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Cocriador de ícones como Capitão América, Hulk, Thor e X-Men, o quadrinista completaria 100 anos no 28 de agostoe, mesmo não tão popular entre o grande público é celebrado com um dos mestres do gênero.
Enquanto Lee segue retratado como gênio criativo da editora, o papel relegado a Kirby na história da Marvel foi, essencialmente, o de grande desenhista, "The King" (O Rei), como era enunciado nas páginas das revistas nos anos 1960. Não é pouco, já que o talento no lápis era inegável e o seu estilo virou referência para outros artistas e influenciou decisivamente os quadrinhos de super-heróis.

Famoso pelo dinamismo, o desenho de Kirby era marcado pela fluidez e grande senso de movimentação, junto ao uso característico de onomatopeias. Mas a importância dele transcende as linhas e traços que deram vida às aventuras de inúmeros personagens populares até hoje. Mais do que desenhar - o que já garante um lugar entre os grandes do gênero - Kirby também dava grande contribuição no desenvolvimento das histórias. Isso porque, em virtude do grande volume de publicações sob seu comando, Lee não escrevia roteiro para os desenhistas, mas, sim, argumento para tramas. No chamado método "Marvel Way", cabia a artistas como Kirby transformar e expandir o argumento em histórias com cerca de 20 páginas de desenho e espaços para balões e recordatórios, que eram preenchidos por Lee ou outros roteiristas após a arte ficar pronta.

Até em virtude desse modelo de trabalho mais solto, é difícil atribuir com precisão a quem cabe cada parcela nas centenas de histórias produzidas na dobradinha entre os dois artistas. Mas a popularidade alcançada quase que exclusivamente por Lee é algo equivalente a considerar apenas o talento de um Beatle na parceria John Lennon/Paul McCartney.

Autodidata, Kirby ingressou nos quadrinhos nos anos 1930 e chegou a trabalhar, em 1939, no estúdio de animação Fleischer, responsável pelos desenhos de Popeye. Com sucessos medianos em tiras para jornais e publicações pulps, teve como primeiro marco a criação de Capitão América (1941), ao lado de Joe Simon, para a Timely Comics, que viria a ser a Marvel. O auge de popularidade da editora chegaria algumas décadas depois, muito em resultado da parceria entre Kirby e Lee. Juntos, foram os responsáveis por Quarteto Fantástico (1961), a primeira equipe de super-heróis da Marvel e mais um grande número de personagens bastante populares também no cinema. Kirby participou na criação de Homem de Ferro, Surfista Prateado, Homem-Formiga e Pantera Negra, sem contar vilões como Magneto, Doutor Destino e Galactus.

Saída 
A prolífica produção de HQs nos anos 1960 levou Lee a assumir o papel de relações públicas da Marvel o que, somado à postura performática do roteirista e editor, contribuiu para a consolidação do mito. Kirby, que trabalhava como freelancer, não recebia royalties pelas criações nem a mesma visibilidade, o que gerou enorme frustração e brigas com a empresa, situação insustentável que o levou a trabalhar para a rival DC Comics, na década seguinte. Na concorrência, deixou sua contribuição em personagens como o demônio Etrigan, Povo do Amanhã e Senhor Milagre, entre outros. Este mês, em comemoração ao centenário de autor, a DC lançou uma minissérie em seis edições com histórias dos Novos Deuseus, escritas e desenhadas por artistas contemporâneos. O primeiro volume traz um conto escrito por Kirby. A coletânea ainda não tem previsão de publicação no Brasil. 

 

Retorno 
Entre 1976 e 1978, Kirby retornou à Casa das Ideias, voltando a criar habitantes para o universo da editora: os Celestiais, apresentados recentemente nos cinemas do filme Guardiões da Galáxia vol. 2. Jack Kirby terminou não podendo ver suas criações no cinema: morreu em 7 de fevereiro de 1994, de insuficiência cardíaca. Tardio, o reconhecimento só viria em 2014, quando o artista passou a ser creditado nas HQs como coautor de personagens como Quarteto Fantástico e X-Men, após longa batalha judicial levada pelos herdeiros. 

"Acho que Kirby era um mutante, como os personagens que ele criou. É a única explicação para alguém capaz de produzir seis páginas por dia e com tanta qualidade e estilo tão original. Fui influenciado por ele, como todos da minha área, mas o que sempre me impressionou mais foi sua personalidade. Diferente dos ‘gênios’de hoje em dia, que com uma obra infinitamente menor se consideram superiores aos seus fãs, Kirby sempre foi humilde e acessível. Um exemplo a ser seguido".

 

Mike Deodato, quadrinista da Marvel 

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Casos como o de Kirby são bastante comuns na indústria de quadrinhos. Também da Marvel, o desenhista Steve Ditko é pouco lembrado como cocriador de Homem-Aranha (1962), o personagem mais rentável em licenciamentos da editora. Nas décadas de 1940 e 1950, Carl Barks foi responsável pela criação do Tio Patinhas, Irmãos Metralha, Professor Pardal e muitos outros habitantes de Patópolis, geralmente associados a Walt Disney, que nunca chegou a trabalhar com os personagens. Quase anônimo, Barks sequer era creditado nas histórias escritas e desenhadas por ele e só começou a ser de fato ser reconhecido graças aos fãs dos quadrinhos que nos anos 1960 conseguiram descobrir o autor. Bob Kane, que levou os louros pela criação de Batman (1939), criou o personagem em parceria com o roteirista Bill Finger, mas, ao vender os diretos de publicação, ignorou o nome do colega e tomou para si toda autoria e lucro. Só após a morte de Finger, em 1974, Kane admitiu a cocriação. Outros injustiçados históricos são em Joe Shuster e Jerry Siegel, que ingenuamente venderam os direitos de Superman (1938) por US$ 130 para a DC Comics e viram o Homem de Aço se transformar no super-herói mais icônico das HQs. Em 1945 a dupla venceu uma das primeiras brigas judiciais contra a editora, que foi obrigada a incluir o crédito dos dois na abertura das histórias do personagem. 


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