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Indústria pernambucana de games mostra amadurecimento e potencial para crescer mais

Estúdio local receberá aporte de edital da Ancine para o desenvolvimento de dois novos títulos

Arte conceitual de Arani, game com o segundo maior valor disponibilizado pelo edital da Ancine. Foto: Kokku/Divulgação


Ao todo, o edital abarca 28 títulos, sendo dois de Pernambuco. Um deles, Arani, da Diorama, divisão do estúdio recifense Kokku, recebeu o segundo maior aporte entre as empresas selecionadas: R$ 975.475, valor que será destinado ao desenvolvimento do game. O montante é expressivo para os padrões nacionais, mas muito inferior ao custo dos chamados AAA (Triple A), denominação dada para as grandes produções do gênero. O popular GTA V (2013), por exemplo, teve orçamento superior ao de filmes blockbusters: US$ 266 milhões (R$ 872 milhões). Mais modesto, Gears of war 4 (2016), por exemplo, custou em torno de US$ 100 milhões (R$ 327 milhões). A disparidade entre as cifras de produções nacionais e internacionais na indústria de games é similar às diferenças de valores de produção entre o cinema brasileiro e o hollywoodiano. E, vale destacar, assim como em outros campos do audiovisual, orçamentos inflados em videogames não refletem, necessariamente, qualidade ou apuro técnico.

E mesmo sem títulos próprios entre os grandes lançamentos do meio, os desenvolvedores pernambucanos responsáveis por Arani têm passagem por uma superprodução recente: Horizon zero dawn, lançado para Playstation 4 no início do ano. Instalada no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, a Kokku foi a primeira empresa brasileira a produzir conteúdo 3D para um título AAA do videogame da Sony. A companhia foi responsável pelo design de inúmeros personagens do jogo e mais de 20 profissionais da Diorama estiveram envolvidos no trabalho, que dedicou cerca de 60 mil horas ao projeto. Na avaliação do presidente da Kokku, Thiago de Freitas, a realização do trabalho atesta que o mercado local tem potencial para atender às exigências e especificidades de produtoras internacionais.

A Manifesto é outro nome local que também produz para o mercado externo, emprestando expertise sobretudo no desenvolvimento de títulos para marcas de terceiros, nos chamados games for brands. Um dos maiores sucessos do estúdio pernambucano é Disney Junior appisodes, antologia que mescla minigames e episódios interativos de animações de personagens como Mickey Mouse, Pateta e Rei Leão.

O diretor de produção do estúdio, Túlio Caraciolo, enxerga que a indústria nacional de games está amadurecendo e considera iniciativas como o edital da Ancine mais um passo nesse processo de consolidação. No entanto, o desenvolvedor ressalta que os valores disponibilizados ainda são bastante modestos, principalmente se comparados aos custos de produção exigidos em títulos de maior porte.

Outro entrave, avalia Caraciolo, é a obtenção de crédito para indústrias criativas no país, com juros bastante elevados, em relação aos valores praticados em outros países. [ À moda da casa Arani ainda não teve detalhes sobre a trama ou jogabilidade revelados, mas o título vai abordar elementos da cultura do país, em ambientação pré-colonial. O game deve ser lançado inicialmente para PC e, depois, Xbox One e Playstation 4. Outra informação já revelada é que o título terá uma protagonista feminina.

Título desenvolvido em Caruaru é uma releitura do popular jogo Snake. Foto: Mantus/Divulgação

O segundo título pernambucano incluído no edital da Ancine também é da Kokku e se chama Bacon run!, um jogo no estilo runner, para celular. No game, o jogador controla um fugitivo do Velho Oeste que tenta escapar do xerife acompanhado de um simpático porquinho. Título está disponível em acesso antecipado para aparelhos Android, na Play Store, mas o conteúdo vai passar por melhorias após o aporte da Ancine. A soma disponibilizada pelo edital ao projeto é de R$ 237,5 mil.

[Tapioca Valley

Enquanto a Califórnia tem o Vale do Silício, o Agreste tem o que os desenvolvedores de Caruaru chamam de Tapioca Valley. Apesar do título aparentemente jocoso, o movimento para consolidação de um parque tecnológico e de empreendedorismo criativo na cidade é sério, já contando com pilares no campo dos games, a exemplo da Mantus.

Segundo o desenvolvedor Filipe Rafael Bezerra, a indústria no interior tem se dedicado a criar um ecossistema favorável ao fomento dos games, com palestras, workshops e game jams. Com quase dois anos de existência, o estúdio caruaruense já tem títulos publicados para plataformas mobile, como Boitatá, versão estilizada do jogo Snake, mas protagonizado pela cobra de fogo do folclore e visual com estética de cordel. Apesar da concorrência global e dificuldade em capitalizar empresas do setor, Bezerra acredita que a indústria local deve passar por um salto de desenvolvimento em alguns anos.

2 perguntas // Thiago de Freitas, diretor de Internacionalização da Associação Nacional de Desenvolvedores de Games


O fato de a Ancine criar edital específico para o setor ajuda a fortalecer a produção de games?

É uma grande vitória e um passo importante para consolidação e amadurecimento da nossa indústria. Assim como já aconteceu com o cinema, que teve bastante incentivos governamentais e hoje já é extremamente mais maduro e capaz de produzir belas obras. Também é um bom passo para que possamos enterrar de vez a velha discussão sobre se videogame é audiovisual ou não. Sim, é audiovisual. Sim, é cultura. E está sendo, finalmente, reconhecido em todas as instâncias possíveis.

No que a indústria nacional precisa avançar?

Um passo de cada vez. A nossa indústria ainda carece de outras coisas, como profissionais especializados, cursos voltados para o mercado e mais aproximação com o mundo acadêmico, para que possam entender demandas e preparar os futuros profissionais para ocupar as vagas que não param de surgir, seguindo na contramão da economia atual. Mas tudo isso começa com o primeiro passo, que é dar apoio e incentivar a indústria através de editais próprios e outras iniciativas, como termos acesso a uma linha própria da Lei Rouanet, que é o caso agora. Vale salientar que, ao contrário do cinema nacional, a nossa indústria já nasceu internacionalizada, tendo em vista que a distribuição do produto globalmente é mais fácil e existe quantidade infinita de publishers (publicadoras de jogos) procurando títulos para explorar comercialmente, o que nos garante mais possibilidade de retorno.


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