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Brasília Teimosa é um dos lugares do Recife mais retratados no cinema
Comunidade foi locação de filmes como Aquarius, Deus É Brasileiro, Avenida Brasília Formosa e Olhos Azuis, entre outros

Irresistível e inevitável, Brasília Teimosa é literalmente um dos lugares mais cinematográficos do Recife. Pelo menos cinco filmes de ficção já retrataram o bairro, além de documentários. A comunidade à beira-mar aparece em longas-metragens como Deus é brasileiro (2003), de Cacá Diegues, Amor, plástico e barulho (2013), de Renata Pinheiro, Olhos azuis (2009), de José Joffily, Avenida Brasília Formosa (2010), de Gabriel Mascaro, e mais recentemente em Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho.
Conhecida pela praia bastante disputada nos fins de semana e por ser um polo gastronômico, Brasília Teimosa é o bairro com a maior densidade populacional do Recife. O nome vem da época da inauguração da capital federal, quando os moradores da localidade insistiram em permanecer no terreno em resistência contra tentativas de expulsão. A história é contada pelo pescador Francisco Romeiro no documentário Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife (2008), dirigido por Leo Falcão, baseado no homônimo livro escrito por Gilberto Freyre.
As questões políticas em torno de Brasília Teimosa continuam vivas e urgentes, como mostra o curta-metragem Recife MD, lançado na internet pelo coletivo cinematográfico Vurto e já exibido em festivais. O filme é formado por uma entrevista, intercalada com imagens da comunidade, com um representante de uma das maiores construtoras da cidade, que considera o bairro ideal para empreendimentos imobiliários de impacto. Segundo o engenheiro, a partir de "uma intervenção severa do poder público", seria possível construir hotéis e marinas no local.
Brasília Teimosa é a protagonista do filme Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro (diretor de Boi Neon). O longa-metragem retrata o cotidiano de dois moradores e um ex-morador do bairro, um pescador que foi removido para um conjunto habitacional no Cordeiro por causa da construção da rua mencionada no título.
"Pelo histórico de resistência do bairro e pela forte identidade simbólica de seus moradores, filmar logo após a construção da avenida de suposta formosura foi muito intrigante e desafiador", considera Mascaro. "Por um lado, houve a remoção, a gentrificação, o realojamento social e cultural precário de alguns moradores antes em situação de risco, mas, por outro lado, surgiu uma nova avenida para pavimentar novos novos desafios para um bairro que está sempre a se reinventar, mas também a resistir", observa o cineasta.
A transferência dos moradores foi o que inspirou o diretor a realizar o filme: "Foi curioso ver no Cordeiro, de repente, redes de pesca sendo costuradas em meio a uma praça de asfalto, longe do mar." Avenida Brasília Formosa pode ser visto gratuitamente, na íntegra, pelo canal oficial da distribuidora Vitrine Filmes no site Vimeo.
Filmado em 2002, Deus é brasileiro mostra Brasília Teimosa antes da construção da avenida, quando ainda havia palafitas na beira do mar. É um dos lugares para onde os personagens interpretados por Antônio Fagundes, Wagner Moura e Paloma Duarte vão para procurar um santo que já havia morado no bairro.
A essência popular de Brasília Teimosa foi ainda valorizada pela diretora Renata Pinheiro em Amor, plástico e barulho, que é inspirado no movimento musical do brega contemporâneo do Recife. Tanto as ruas quanto a praia servem de locação para diversas cenas. "Acho que é uma comunidade maravilhosa, um exemplo de brasilidade, onde há uma colônia de pescadores, um povo trabalhador e ainda uma rica culinária", descreve a cineasta.
"Filmamos boa parte do filme naquela área, entre Brasília Teimosa, Encanta Moça, Beira-Rio e a comunidade do Bode", detalha a diretora, que captou um momento de transformação urbana anterior à construção do Shopping RioMar. "Havia um clima de cidade pequena no meio do Recife", identifica Renata, que sempre morou no Pina, onde sua mãe tinha uma escola na Avenida Herculano Bandeira de Mello no local onde hoje funciona a Galeria Joana d'Arc.
Em Aquarius, Brasília Teimosa surge em uma cena ao som da música Sufoco, cantada por Alcione. O bairro, onde mora a personagem Ladjane (interpretada por Zoraide Coleto), também aparece em uma foto antiga, da década de 1950, feita pelo fotógrafo Alcir Lacerda, apresentada na sequência de abertura.
"A entrada de Brasília Teimosa em Aquarius veio muito naturalmente na escrita do roteiro. Faz muito sentido ter no filme um lugar tão simbólico de resistência, beleza e história", comenta Kleber, que também relaciona o bairro com teimosia de Clara, protagonista vivida por Sonia Braga. Para o diretor, "é um lugar também muito desejado porque aquele pedaço de terra entre o mar e a maré tem uma vista espetacular do Recife."
A sequência de Brasília Teimosa em Aquarius termina com uma imagem que mostra uma festa de aniversário em uma laje. Por trás da construção, é possível ver os altos edifícios do início do Pina. "Gosto daquele enquadramento porque parece que os prédios estão querendo entrar sem conseguir", sugere Kleber.
Foi a ausência de edifícios altos que fez José Joffily escolher Brasília Teimosa para ser cenário de Olhos azuis. "Eu queria uma praia, no Recife, sem aqueles prédios de Boa Viagem, que eu acho muito feios", admite o cineasta. "Tenho muito respeito pela história de resistência da comunidade", diz o diretor de Quem matou Pixote? e Dois perdidos numa noite suja, que nasceu na Paraíba e desenvolveu a carreira profissional no Rio de Janeiro. Ele admite que a locação não estava no roteiro e a encontrou por acaso durante uma caminhada pela orla após um almoço.