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Moda: estilista nordestino leva crise política à passarela e satiriza ditadura militar

Na fashion week de moda autoral Dragão Fashion, Lindebergue Fernandes endossou tendência de levar pleitos sociais aos desfiles de moda

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Posicionamento político marcou desfile de Lindebergue no primeiro dia do Dragão Fashion. Fotos: Roberta Braga/Silvia Boriello/Ricardo K./Divulgação


Ceará
- "Mas um dia o gigante despertou / Deixou de ser gigante adormecido / e dele um anão se levantou / Era um país subdesenvolvido / Subdesenvolvido, subdesenvolvido", diz o refrão de Canção do subdesenvolvido (Carlos Lyra e Chico de Assis). Junto com Jesus Cristo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) e Sociedade alternativa (Raul Seixas e Paulo Coelho), a música compôs trilha sonora de desfile político do estilista cearense Lindebergue Fernandes, na noite desta quarta-feira (04), a primeira do Dragão Fashion 2016.

Realizado em Fortaleza (CE) desde o ano 2000, o evento é considerado a principal semana de moda do Nordeste, dedicado principalmente à moda autoral. Pano de fundo aproveitado por Lindeberg para externar seu posicionamento político, seguindo tendência natural em semanas de moda ambientadas em cenário de crise: quando os estilistas não canalizam para o catwalk suas insatisfações, é comum a intervenção do público em cena. A conexão entre a moda e as mazelas sociais livra aquela primeira da alienação, do propósito comercial desconectado da realidade e do distanciamento entre seu universo criativo e a vida real.

Valendo-se disso, Lindeberg apresentou modelos fantasiados de palhaços tristes. A maquiagem circense exibia lábios caídos, semblante desolado. O primeiro modelo segurava bandeira verde e amarela. E o último, bandeira branca. As referências ao militarismo eram jocosas, como em chapéus feitos de papel, evidenciando o posicionamento contrário à ditadura militar. A trilha sonora, cujas composições apontavam para o início dos anos 1970, época em que os militares governavam o país, deixava clara a mensagem aos que não a percebessem nas entrelinhas. As peças em neoprene estruturado, inspiradas no cangaço e no skate, ficaram em segundo plano, co-protagonista de desfile aplaudido de pé.

O Dragão Fashion segue até o próximo sábado (07) e reúne 32 desfiles assinados por estilistas brasileiros e convidados latino-americanos, com o tema Sangue latino. Diariamente, são distribuídos convites gratuitos à população, no Terminal Marítimo de Passageiros, em Fortaleza (CE), onde ocorre a fashion week. Cada pessoa tem direito a escolher dois desfiles por dia, retirando um par de convites para cada um deles. As coleções cruzam as passarelas entre as 17h e as 21h, todos os dias.

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Em Cuba
Na última terça-feira (03), foi rompido o hiato de cinco décadas sem promoção da moda internacional em Cuba. A Chanel desfilou sua nova coleção, Cruise, a céu aberto, no Paseo del Prado, em Havana. O primeiro desfile organizado pela grife em terras cubanas teve a presença do diretor criativo da marca, Karl Lagarfeld, e de celebridades do segmento, como Gisele Bündchen, Vin Diesel e Tilda Swinton. Tony Castro, neto de Fidel Castro, fez parte do casting escalado para o desfile histórico. A coleção é inspirada na estética cubana e caribenha, com modelos "fumando" charutos, cores intensas, peças em crochê e a emblemática boina de Che Guevara bordada em paetês.

No Brasil
Na última edição do SPFW, em abril deste ano, o estilista Ronaldo Fraga, conhecido por agregar temas relevantes à realidade brasileira aos seus desfiles, também aproveitou a passarela para abordar crise. No caso dele, a dos refugiados em migração para a Europa. Seis refugiados sírios cruzaram o catwalk sob o comando dele, que explorou camisas manchadas em tom de sangue, tecidos amarrotados e correntes limitando os movimentos dos modelos. Nos bastidores, Fraga criticou a extrema direita europeia e sua resistência à miscigenação cultural.

Em Paris
Ao desfilar a coleção de primavera/verão 2015, em setembro de 2014, Karl Lagerfeld transformou as modelos em manifestantes, em desfile icônico para a relação moda-política-sociedade. Nomes como Cara Delevingne, Gisele Bundchen e Kendall Jenner seguravam placas com mensagens feministas e libertárias. "Direitos das mulheres são mais do que corretos", "Eles por elas", "Feminismo não é masoquismo" e "Faça moda, não faça guerra" diziam algumas.

*A repórter viajou a convite do Dragão Fashin Brasil 2016