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Rapper pernambucano usa música para despertar consciências em presídios

JB Rapper canta a saída do submundo do crime e denunciar as mazelas do sistema prisional, onde oferta música aos detentos

JB conta, nas letras, a história de superação, a realidade das periferias e a falta de estrutura dos presídios. Foto: Ricardo Fernandes/DP

É preciso serenidade para aceitar o destino. A frase ronda as memórias do pernambucano Juliano Silva de Andrade como se emitida em ecos sucessivos. Somente outra, sua preferida, lhe parece mais forte: é imprescindível coragem para modificá-lo. Tudo, porém, entre memórias e citações, é abafado há muito pelo som cadenciado do rap. Aos 31 anos, Juliano revisita as lembranças da adolescência assombrada pelo vício em drogas e as transforma em versos. É reconhecido pela alcunha de JB Mc Pregação, adotada junto com a música como ferramenta de transformação há sete anos. Regularmente, ele visita presídios e periferias da Região Metropolitana do Recife a fim de levar consolo, lições e conscientização política a detentos e jovens marginalizados pela dependência química.

Nas próximas semanas, o rapper finaliza as gravações do primeiro disco, cujo lançamento ocorre até o fim do mês, uma compilação de letras produzidas nas horas de folga do trabalho formal. JB é garçom em restaurante da Zona Norte do Recife de domingo a domingo. “O emprego e o envolvimento com a música vêm da mesma época, há seis, sete anos. Eu acabara de voltar de temporada em São Paulo, onde buscava me livrar dos vícios. Estava ainda pior do que antes da viagem. Uma amiga me deu apoio, me encorajou a recomeçar. Entrou no fogo comigo. Hoje, ela é minha esposa. E eu estou limpo há sete anos”, recorda Juliano. Entre os dez melhores amigos da juventude, o rapper assistiu ao sepultamento de sete. Foi apreendido por policiais e internado para cumprimento de medida socioeducativa. Olhando para trás, ele gosta de dizer que escapou da teia a tempo de se transmutar em nova criatura viva. “Viva e livre.”

Da infância e pré-adolescência na comunidade João de Barros, em Santo Amaro, o rapper resgata a chegada e a difusão do crack na capital pernambucana, tema de Guerra em Santo Amaro. Em Testemunho de vida, rebobina o próprio passado no intuito de ofertá-lo ao público como lição. “Comecei fumando cigarros, aos 14 anos. Depois, passei a beber. Cherei cola, cocaína, não tenho vergonha de falar. Fiz isso para me integrar no grupo. Passei dez anos dependente, de droga em droga, até chegar ao crack, a pior de todas. Vivi a época em que ele tomou o espaço da cola, no fim dos anos 1990, levando centenas aos presídios, hoje superlotados. Precisamos falar sobre isso. Meus raps o fazem por mim”, conta JB. Em Sofrimento e salvação, uma das letras mais carregadas de orgulho próprio, fomenta a esperança entre dependentes químicos e familiares. “Eu estava decadente, em descrédito. Hoje não consumo sequer bebida alcoolica. Quero provar que há saída, salvação.”

JB leva conscientização, apoio e lições de vida aos detentos. Foto: Ricardo Fernandes/DP

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A PRISÃO

JB acompanha de perto a rotina dos detentos em presídios pernambucanos e, inspirado neles, decidiu descrever a precariedade do sistema prisional e a tensão com que convivem os encarcerados. Rebeliões, dias de visita e superlotação das celas são temas abordados nos versos de A vida de um prisioneiro, uma das mais pedidas pelos detentos durante as visitas do rapper. A ideia, segundo ele, é usar a música como ferramenta de denúncia e documentação histórica da realidade prisional.  

A vida de um prisioneiro

Somos seres humanos e falhos

Todos merecem uma segunda chance

Homem aprisionado, dentro da cadeia

Pagando pelo crime que ele cometeu

O caminho errado que ele procurou

Pela porta larga ele encontrou

O caminho fácil

Foi o seu fracasso

A sua vida foi para o espaço

Dentro de uma cela, preso feito um bicho

Mal tratado, jogado como um lixo

Em Igarassu, Barreto Campelo

No Aníbal Bruno, um pesadelo

Hoje o filho chora e a mãe não vê

O sofrimento aqui é para valer

A superlotação, o clima é de tensão

Mais de 300 homens em um pavilhão

Num corredor, tem que respeitar

Na hora de dormir, pegue o seu lugar (…)

Os presos condenados armam rebelião

Fazem motim com facas e facão

É o inferno do mundo moderno

Dentro da cadeia, o tempo é eterno

Aqui não é São Paulo, nem Rio de Janeiro

É Pernambuco, é desespero

A sociedade já não aguenta mais

Oh, meu Senhor

Derrama Sua paz

Põe a Tua mão dentro das prisões

Liberta, traz salvação (…)

No dia da visita, em pleno domingão

Os presos se organizam no pavilhão

Armam seus barracos, fazem sua prece

Pedem pra Deus proteção, não esquece

Esperam sua mãe, sua família, sua mulher ou sua filha

Como é importante o dia da visita

É sagrado rever sua família

A prisão é destruição que abala a mente

E destrói o coração

Dentro da sua alma, mantenha calma

O inimigo de pé bate palma (…)

AS DROGAS

Entre as letras mais populares estão A Vida de Um Prisioneiro e Sofrimento e Salvação. Foto: Ricardo Fernandes/DP

A guerra em Santo Amaro

Sou da favela do Recife, da João de Barros

Pernambuco, bairro de Santo Amaro

A cena de terror já começou

Favela da João, predominou

Recife para quando assim começa

A guerra do tráfico, o crime impera

Impõe o medo, a violência

Em toda a cidade, a decadência

Em todo o estado, a destruição

Que Deus proteja a favela da João

A cena é triste, a ideia é forte

Da Zona Sul à Zona Norte

O sangue jorra dentro da favela

Bandido mata, o pai enterra

A mãe lamenta de coração

Ver o seu filho dentro de um caixão

Em Santo Amaro, o clima é pesado

Em meio às guerras, os bondes são formados (…)

Selva de bala, é assim que é

Não respeita homem, nem mulher

Senhor Jesus, vem mostrar Tua luz

Liberta Santo Amaro, nos conduz

Eu sou JB e falo para você

Não é brincadeira, não pague para ver

A RECUPERAÇÃO

Para JB, a salvação é encontrada através da fé. O rapper conta que, com ajuda de amiga que se tornaria sua esposa, venceu a dependência química e contornou as estatísticas que relacionam drogas, violência e morte. Hoje, menciona Jesus na maioria das letras. Nas visitas aos presídios, além de cantar e narrar a própria trajetória, cita trechos da bíblia, que também o inspira a compor.

Sofrimento e salvação

Eu vim falar do sofrimento

Do mundo violento

A maldade, o dia a dia, isso é tormento

Precisamos de libertação

Jesus está voltando com a salvação

Pois o fim se aproxima

E quem tá de pé, irmão, cuide para que não caia

As igrejas se reúnem em oração

Para que no grande dia alcancem a salvação (…)

Eu vejo vidas sendo destruídas

Nas mãos do inimigo com a alma abatida

Oh, meu Senhor, Te peço por favor

Transforme essas vidas, em nome do amor

Sei que é difícil sair do sofrimento

A vida em pecado, a morte te leva pra dentro

Do buraco, da escuridão

Efeito dominó, sempre vai mais um irmão

Nas favelas, becos, vielas

Eu vejo na TV quando ele põe na tela

Vida louca, caminho de morte

Vida do crime, não conte com a sorte (…)

O inimigo arma para te ver no chão

Jesus está voltando, Jesus está voltando

A cada dia que se passa, o povo se matando

Mas Jesus está voltando, Jesus está voltando

Cada dia que se passa, o mundo se acabando

Há dois caminhos: o céu ou o inferno

No dia do juízo, todos os dois serão eternos

Eis aqui JB, um homem transformado pelo Senhor

Desde criança escutei a pregação

Se entregue a Jesus, abra o seu coração (…)

Amanhã pode ser tarde de mais

Siga em frente, não olhe para trás

O olho grande faz você cair na lama, sente o drama

Olhe para cima

Jesus está voltando, irmão, sente o clima

Com humildade no coração

Com paz, amor, liberdade e união

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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