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Cavalo marinho, pastoril e reisado se consolidam como símbolos do Natal nordestino

Folguedos populares comemoram o nascimento de Jesus; cavalo marinho pode ser visto em evento na Casa da Rabeca nesta sexta

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O Encontro Nacional de Cavalos Marinhos aglutina grupos de Pernambuco e da Paraíba no Natal e no Dia de Reis. Crédito: Isabella Valle/Divulgação

Pinheiros, guirlandas e Papai Noel, símbolos de um Natal distante da cultura brasileira, passaram a ter o protagonismo do imaginário relacionado a essa época do ano, mas nem sempre foi assim. Assim como em outras partes do país, e do Nordeste, a população de Pernambuco construiu seu próprio simbolismo para o ciclo natalino, a partir de folguedos trazidos dos portugueses. Reisado, pastoril e cavalo marinho são exemplos de manifestações culturais que passaram a coexistir nesse panorama e continuam a se apresentar, seja na capital ou no interior.

Uma das ações que ilustram isso é o 21º Festival de Cavalo Marinho de Pernambuco, evento que acontece amanhã, dia de Natal, na Casa da Rabeca, em Olinda, a partir das 19h. Este ano, a brincadeira terá cerca de dez grupos de Pernambuco e da Paraíba e vai até o sol raiar, assim como acontece em seus terreiros de origem. “Este é o único encontro neste estilo que existe em Pernambuco. Esta é uma tradição à qual a gente tenta dar continuidade. Atualmente, a maioria dos grupos de cavalo marinho estão concentradas na Zona da Mata Norte, em cidades como Itambé, Ferreiros, Camutanga e Aliança”, afirma o organizador, Pedro Salustiano, à frente da iniciativa desde a morte do pai, Mestre Salustiano, em 2008. No dia 6 de janeiro, o local também abriga a 21ª Festa de Reis, com cavalos marinhos, reisados e a queima da lapinha.

O festival, que tem entrada gratuita, faz parte de um movimento social e governamental de reconhecimento e valorização das festividades populares e, por consequência, também joga luz sobre folguedos ligados ao ciclo natalino. Em dezembro do ano passado, o cavalo marinho recebeu o título de Patrimônio Imaterial do Brasil, juntamente com o maracatu de baque solto. No total, Pernambuco tem oito dos 36 patrimônios imateriais catalogados no Brasil, o maior número entre os estados.

Mas, como lembra a pesquisadora Maria Alice Amorim, o cavalo marinho não está sozinho como folguedo relacionado ao ciclo natalino. “Conforme as localidades e circunstâncias econômicas e sociais, essas manifestações culturais ganharam particularidades. Nas brincadeiras ligadas ao Natal, encontramos uma relação com a Igreja Católica e com o nascimento de Jesus. No pastoril, por exemplo, há a celebração da chegada de uma criança sagrada e o reisado também tem esse arquétipo. Na verdade, o próprio catolicismo absorveu manifestações culturais pré-cristãs. O Natal é uma rememoração do solstício de inverno no Hemisfério Norte. A presença da fogueira, do fogo, da luz da vela, todos esses elementos estão relacionados à natureza”.

Ainda segundo Maria Alice, esses signos relacionados ao sagrado passaram por mudanças segundo os tempos e os lugares onde se fixaram, trazendo ao sagrado o seu reverso: o profano. “No pastoril sagrado, vemos as meninas, que cantam em louvação ao nascimento de Cristo, e, no pastoril profano, há mulheres que erotizam o corpo. Neste último, há o velho, que faz as vezes de palhaço. Já a figura do boi, presente no cavalo marinho e em versões do reisado, tem a ver com vitalidade. Note que, nos folguedos, o boi morre e é ressucitado. Esses são ritos de passagem e isso é importante para  o ser humano. O tempo linear, o do relógio, é vivido de maneira mais pragmática. Já o tempo cíclico, exemplificado pelos rituais, simboliza a morte e o renascimento”.

SERVIÇO
21º Festival Nacional de Cavalo Marinho
Quando: Amanhã, às 19h
Onde: Casa da Rabeca (Rua Curupira, 340, Cidade Tabajara, Olinda)
Entrada gratuita
Informações: 3371-8197

SAIBA MAIS

%2bBAILE DO MENINO DEUS
A peça que está em cartaz hoje e amanhã no Marco Zero, às 20h, é baseado diretamente na matriz da cultura popular para o ciclo natalino e já se tornou parte da tradição desta época do ano em Pernambuco. Encenado pela primeira vez em 1983, o espetáculo une dança, teatro e música para contar o nascimento de Jesus com a participação de personagens como o boi, o Jaraguá e a burrinha Zabilim, há muito presentes no imaginário nordestino.

%2bSINCRETISMO RELIGIOSO
O dia de Natal está na cultura local não apenas a partir da absorção e recriação de folguedos vindos da Península Ibérica. O culto afro-brasileiro da umbanda também traz esta data como importante por ser o dia de Oxalá, orixá sincretizado como Jesus Cristo.

%2bCAFURINGA
As manifestações culturais do ciclo natalino também podem ser vistas neste fim de semana no Recife, com o grupo teatral Cafuringa. O coletivo, que está em cartaz com o espetáculo Cafuringa promove circulação por quatro cidades pernambucanas e convidou mestres da cultura popular e tradicional de Pernambuco para participar. A estreia da iniciativa acontece no sábado (26), com uma série de apresentações na Escola Pernambucana de Circo, localizada na Avenida José Américo de Almeida, na Macaxeira. Às 17h, o evento começa com a apresentação do Reisado Encanto das Caraíbas, de Arcoverde, seguido pelo mamulengo do Mestre Saúba, de Carpina. Às 19h, é a vez do Cavalo Marinho Estrela do Oriente, de Camutanga. Para encerrar a noite, às 21h, foi convidado o Pastoril do Velho Dengoso, do Recife. A entrada é gratuita.