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Ascensão e queda da maior cafetina do Brasil é narrada em livro e minissérie da Globo
Obras contam biografia de Eny Cezarino, mulher à frente de império da prostituição em Bauru, interior de São Paulo

A vida de luxúria da recifense Hilda Maia Valentim (1930-2014) ganhou status de lenda. Radicada em Minas Gerais na juventude, era figura conhecida dos anos 1950 e 1960 na zona boêmia da capital, onde atuava como prostituta. A trajetória inspirou o livro Hilda Furacão, de 1991, escrito por Roberto Drummond, e a minissérie homônima, assinada por Glória Perez e exibida na TV Globo em 1998. Viúva de jogador de futebol, ela morreu há três meses, aos 83 anos, em Buenos Aires. Agora, a mesma emissora planeja ressuscitar outra representante da “profissão mais antiga do mundo”, a paulistana Eny Cezarino, proprietária de um dos mais famosos prostíbulos do país. A produção televisiva de dez capítulos tem protagonista em comum com o livro Eny e o grande bordel brasileiro, do jornalista Lucius de Mello, lançado em 2002 e agora reeditado.
Com família de origem italiana e francesa, a famosa cafetina foi criada nos moldes tradicionais, mas abandonou tudo para se prostituir em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Paranaguá, no Paraná. A última parada foi Bauru, no interior paulista, onde começou como funcionária em um bordel e, sete anos depois, terminou dona do estabelecimento, graças ao sucesso junto a clientes endinheirados. O negócio expandiu, mudou o endereço para a entrada da cidade e passou a ter mais de 40 quartos, piscina, churrascaria, dança de salão em formato de violão, tudo em um terreno de 15 mil metros quadrados. Surgia um império do sexo pago, onde chegaram a trabalhar, simultaneamente, 30 garotas de programa. A fama nacional atraía frequentadores VIPs, como o poeta Vinícius de Moraes (hóspede frequente e amigo da cafetina) e o político João Goulart, todos com direito a atendimento especial e passagens de acesso privativas.
“Eny era cosmopolita. Nasceu e começou ser prostituta na capital paulista, no bairro do Bom Retiro, e aprendeu tudo com as madames francesas. Foram boas professoras. Ela também sempre foi empreendedora e enxergou que ali em Bauru tinha um espaço a ocupar. Com ajuda do político mais influente da região na época, se tornou atração turística da cidade”, comenta Lucius de Mello. Naqueles tempos áureos, a mulher havia deixado o passado humilde para trás e se tornado rica, influente e respeitada.
Uma série de contratempos, no entanto, colocou o bordel e ela própria no rumo da decadência. Foi roubada por um contador (“pegou todo o dinheiro, fugiu para Paris e virou transformista”), enfrentou a morte de um grande amor e, por fim, viu o movimento do bordel ser prejudicado pela multiplicação dos motéis. Em referência à liberação das moças de família para as aventuras sexuais (àquela altura, munidas de anticoncepcionais), a cafetina teria afirmado: “Está na hora de eu fechar, porque nunca vi profissional perder para amador”.
Eny Cezarino morreu aos 69 anos, em 1987, pobre, doente e esquecida. A minissérie da TV Globo vai se chamar A dama da noite (sem previsão de estreia), com roteiro assinado por Walther Negrão e Suzana Pires. Entre as atrizes consideradas para o papel da protagonista, Alinne Moraes e Bárbara Paz. Além da biografia, Lucius de Mello lança o e-book Crônicas do grande bordel, com histórias deixadas de fora do livro, como quando Eny foi enganada por uma travesti, expulsa após 15 dias de trabalho no randevu.
SERVIÇO
Eny e o grande bordel brasileiro, de Lucius de Mello
Editora: Planeta
Páginas: 424
Preço: R$ 44,90
Crônicas do grande bordel, de Lucius de Mello (e-book)
Editora: Planeta
Páginas: 42
Preço: R$ 7,99
TRÊS PERGUNTAS >>> LUCIUS DE MELLO, jornalista e biógrafo da cafetina Eny Cezarino
Como surgiu o interesse pela vida de Eny Cezarino?
Foi puramente jornalístico. Nasci em cidade vizinha a Bauru e fui trabalhar lá em 1988, um ano depois da morte de Eny. Precisava ficar atento às personalidades da cidade, pois tudo o que elas faziam podia virar notícia. Pessoas vinham falar comigo sobre a cafetina com tristeza e sempre davam um brilho de celebridade para o nome dela. Passei dez anos ouvindo ex-amores, ex-funcionários, prostitutas, familiares dela.
Biografar uma cafetina causou algum mal estar? Como o livro foi recebido?
Biografar uma cafetina causou algum mal estar? Como o livro foi recebido?
Perguntaram por que escrevi sobre uma prostituta (nas entrelinhas, alguém sem valor social). Ainda não existia Bruna Surfistinha, biografia de prostituta, a não ser A dama das camélias (de 1848, por Alexandre Dumas Filho). Quis falar de tolerância. Somente se biografavam histórias de mulheres e homens consagrados, como Olga, Chatô, Carmem Miranda. Somava ao nome do autor. Fui pela contramão, escolhi uma excluída. Sou biógrafo de prostituta. Isso foi uma quebra de paradigma. Fui pela importância da história e pelo valor dessa mulher. Não julguei ou tive preconceitos, apenas fui levado pelas histórias saborosas que ouvia nas esquinas de Bauru.
Você aponta a discrição e o traquejo político como diferenciais de Eny. Quais outras características a tornaram notável?
Você aponta a discrição e o traquejo político como diferenciais de Eny. Quais outras características a tornaram notável?
O grande pulo do gato foi quando ela percebeu que havia criado um ambiente “familiar”. Nos anos 1960, o garoto que não podia transar com a namorada ficava com ela até meia-noite, com hormônios à flor da pele. Depois, no prostíbulo, realizava a fantasia com uma prostituta tão comportada, bem penteada, perfumada, bem vestida quanto a namorada. Tudo ensinado por Eny, que dava aulas às garotas nos cinemas, mostrando Sophia Loren e Elizabeth Taylor. Eram referências sobre como se vestir, segurar o cigarro, como sentar. Mas Eny também tinha o lado “bruxa”. Quando arranjava abortos para as prostitutas, mandava o médico esterilizar todas. Sentia-se dona dos corpos delas.%u200B
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ODETE - Figura conhecida de recifenses, Odete Ferreira de Miranda era a proprietária da Maison de Odete, prostíbulo com vários anos de funcionamento. Foi presa em 2007 acusada de aliciamento de menores e prostituição infantil. A cafetina trazia adolescentes do Rio Grande do Sul para se prostituirem em Pernambuco.
[SAIBAMAIS]GIGI - Em 2006, Jiselda Aparecida de Oliveira (Gigi) foi apontada como principal agenciadora de garotas para a prostituição no país e acusada de ser chefe de quadrilha especializada em crimes ligados à exploração sexual. Atuava há mais de 30 anos como cafetina e tinha lista com mais de mil mulheres.
MARIA ESQUINA - Jeane Mary Corner atuava como cafetina para políticos em todo o país. Ela foi alvo das investigações da Operação Red Ligh, de combate à corrupção de luxo em Brasília. Antes, já havia sido notícia ao ser apontada como responsável por agenciar mulheres para o pivô do Mensalão, Marcos Valério.
BARONESA DO SEXO - Mirlei de Oliveira, a “baronesa do sexo”, agenciava 600 mulheres para empresários, executivos e políticos. Entre as garotas de programas, várias menores de idade. Ela foi presa em 2004, em 2007 e voltou aos noticiários em 2013, quando vazou na internet uma lista com nome de várias “celebridades” que supostamente se prostituiam.