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Morador leva cadeiras e dá orientação para pessoas em fila da Caixa Econômica, em Jaboatão

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“Eu estou aqui com o único intuito de ajudar e salvar vidas”, diz o mestre de obras Jadson Lima, 37 anos, mais conhecido como Jadson da Construção. Desde o começo da pandemia, o homem organiza voluntariamente as filas das pessoas que vão até a agência da Caixa Econômica Federal, em Jaboatão Centro, na Região Metropolitana do Recife. Com enormes filas diariamente e a intensa desorganização no local, Jadson viu a necessidade de realizar uma ação em benefício da população do munícipio.

“Na televisão estava passando que aqui no Centro de Jaboatão estava uma aglomeração muito grande das pessoas que vieram receber o Auxilio Emergencial. E as pessoas estavam brigando muito nas filas, porque ninguém sabia quem era o primeiro ou segundo, e eu tive a ideia de vir aqui, pintar e demarcar o chão, e colocar cadeiras”, conta.

Ele, que é jaboatonense nato, morador do bairro de Santo Aleixo, afirma que a Praça Nossa Senhora do Rosário, onde está localiza a agência, precisava de uma ordem. “Essas marcações no chão, eu que fiz. Inclusive hoje eu vou fazer outras marcações. É porque aqui é uma praça muito grande. E eu vi que as pessoas estavam arrudiando o quarteirão, dormindo nas calçadas, para seguir uma ordem. Mas não tinha ordem”.

Com a atitude pioneira no município, Jadson fez marcações numéricas, para que as pessoas sigam uma ordem na fila, facilitando o processo. “Quando vir para a Caixa Econômica de Jaboatão, que siga as orientações que estão no chão. Porque essas marcações dão a dignidade”, pede.

“Quando não estou aqui, as pessoas ficam coladas umas nas outras. E quando chove, ficam no meio da chuva, não podem sair, pois podem perder a vaga. Isso é uma forma desumana de tratar as pessoas. Então, gostaria de deixar esse recado para as pessoas”.

Além das orientações, o mestre de obras também fornece cadeiras para que as pessoas possam esperar com o mínimo de conforto. ”Eu nunca recebi ajuda de governo nenhum. Nem prefeitura e nem Caixa Econômica. Essa é uma ação gratuita minha. Até porque eu consegui alugar essas cadeiras muito baratas. Eu consegui a R$ 0,7 centavos a diária, por causa da pandemia. Essas cadeiras nem são minhas. Eu aluguei para fazer essa ação. No início eram R$ 1.200,00 reais por mês, porque eu disponibilizava 1,000 cadeiras. Hoje eu estou só com 300 cadeiras, aí estou pagando menos”, revela.



Vivências de meses de voluntariado

Desenvolvendo diariamente a ação solidária, Jadson crítica à negligência da Caixa e do poder público com a intensa demanda na localidade. “Eu acho a ação do governo inconsequente, pelo fato de eles não terem a responsabilidade de cuidar de vidas. Porque o fato daqui ser a maior Caixa, pelo fato de aqui ser um ponto de maior aglomeração de atendimento, deveria ter uma atenção mais voltada”, afirma.

Em mais de nove meses de pandemia, o mestre de obras conta sobre os problemas de segurança agravados pelas enormes filas diárias. “Aqui me chamou atenção, por ter muitas pessoas na fila, elas ficam ansiosas em querer ser atendidas. E acaba entrando em confronto com as pessoas que estão na própria fila. Aqui já teve brigas de faca, já deram facada no olho de uma pessoa na minha frente. Mulheres se atracando aqui, brigas feias mesmo”.

“Essa praça, infelizmente, tem várias situações constrangedoras. Muitas brigas de bêbados, de pessoas de ruas. Uma vez já pegaram uma cadeira minha e levaram para quebrar na cabeça de outra pessoa. Já passei por tudo isso aqui na praça. Hoje, você vê, não tem policia, não tem guarda municipal, não tem nada”, denuncia Jadson.

“A ordem pública foi mantida por um voluntário, que até hoje disponibiliza cadeira, marca o chão e ainda orienta as pessoas para não desorganizar as filas”, acrescenta.



Filas que se estendem por toda a praça

É a oitava vez que a vendedora ambulante Jussara Claudino, de 52 anos, enfrenta a fila da Caixa Econômica Federal de Jaboatão Centro. Aguardando sua vez desde as 6h da manhã, ela que estava no número 5 da marcação no chão, quando falou com o Diario na manhã desta quarta-feira (6), contou que tomou apenas dois copinhos de café de cinquenta centavos durante todo o período.

“Para falar a verdade, não há nenhuma diferença de hoje para as outras vezes. Tudo está igual. Uma fila gigante que tem muita gente. Temos que enfrentar sol, chuva, seja o que for, temos que enfrentar. Estou vindo pelo Auxilio Emergencial. Para mim está sendo muito difícil, pois não posso trabalhar já que não posso sair vendendo minhas coxinhas”, relata.

A vendedora fala da importância da ação desenvolvida por Jadson da Construção, e ressalta que é por necessidade financeira que muitos enfrentam a situação. “A sorte é a cadeira do rapaz. Ele não tem obrigação com isso, e está fazendo. Se fosse pelo governo, a gente estava de pés, torrando no sol, levando chuva, nessa situação e nada. Ninguém está nem aí. Eu queria que os governantes olhassem mais pelas pessoas. É o certo a ser feito. Porque a gente está aqui não é porque não esteja precisando, se a gente está aqui é porque estamos precisando. Se não estivesse precisando ninguém estaria enfrentando sol, chuva e a fome. Eu vou entrar aí dentro, e vou sair de que horas?”, questiona.



Na fila preferencial, com um bebê de 7 meses, Clemilda Queiroz, 33 anos, dona de casa, acompanhada do marido, Jadeilton Freitas, 35 anos, que está desempregado, aguardam sua vez enquanto protegem o bebê Messi Gabriel, do forte sol da manhã desta quarta-feira.

“É a segunda vez que venho. Desde que cheguei, estou aguardando e não recebi nenhum atendimento. Nem uma fichinha. A situação é ruim, porque estou com criança, ainda mais no sol quente. Já tem tempo que estou esperando e a fila não sai do lugar. Entra um monte de gente, mas continuo aqui. Eu fico com medo, com meu filho aqui, por causa dessa doença. É complicado para se proteger”, conta Clemilda, enquanto equilibra o bebê e o guarda-chuva, para proteger a criança do sol.

Jadeilton, marido de Clemilda, relata que a família vive no Engenho Camaçari, região do município de São Lourenço da Mata, e tiveram que ir a agência devido ao bloqueio do cartão da esposa. “Para mim isso é uma vergonha, porque está parecendo um Galo da Madrugada aqui. Um descaso desses. A minha mulher está aqui faz é tempo. Muito mal foi atendida. Fui lá dentro. Já falei com o segurança, procurei a atendente e nada. E a gente mora longe. Estamos aqui pelo Auxilio Emergencial. Eu acho uma vergonha. Espero que resolvam logo lá dentro, pois a gente mora muito longe”.



No final da fila comum, um gerente comercial chamado Jackson Silva Leal, de 32 anos, chegou faltando dez minutos para as sete horas da manhã e guardava o lugar para a sua esposa, que estava com os filhos do casal. “Eu abri a loja e vim pra cá. Pelo que se tem aqui, eu nem volto no horário do expediente, as cinco e meia, que é quando encerra o comércio. Agora,  numa pandemia dessa, isso não existe. Era para ter mais atendimento para facilitar”, conta. O homem também teve o cartão bloqueado e precisa enfrentar a fila para tentar resolver o seu problema.

Para Jackson, ações solidárias precisam ser mais divulgadas para que possam inspirar a população. “O presidente disse que o país está quebrado, né? Mas não está não. Está faltando disseminação de conhecimento e informação. Quando o povo se informar mais do que está acontecendo com os seus direitos, e pessoas que estão com ações assim [como a de Jadson], se unir para ajudar, talvez essa consciência de votar em quem não faz nada pela gente, mude. O país não está quebrado, está sem informação e conhecimento”, afirma.

Respostas

Diante da situação exposta, a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes afirmou que compete à Caixa organizar o atendimento aos clientes. Quanto aos incidentes, a gestão afirmou tratar-se de assunto de segurança pública da responsabilidade da Polícia Militar (PM). “A prefeitura atua, por meio da Guarda Municipal e Procon, no sentido de colaborar, evitando depredação ao patrimônio público e na distribuição de máscaras de tecido”.

Já a Polícia Militar informou que o policiamento no entorno da agência no Centro de Jaboatão, é realizado pelo 25º Batalhão. “A unidade realiza, diuturnamente, as rondas na região, com Guarnições Táticas e com reforço do Grupo e Apoio Tático Itinerante. O comandante do batalhão informa que reforçará o policiamento no local e frisa que sempre que houver uma necessidade de intervenção, que a PM seja acionada de pronto, via 190”.

O representante da unidade da Caixa de Jaboatão Centro, afirmou à reportagem que as enormes filas ocorriam devido à alta demanda e que não iria conceder entrevistas. Até a publicação dessa matéria a assessoria da Caixa não respondeu ao pedido de maiores explicações sobre os problemas.