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Sacerdote da jurema denuncia racismo religioso em Olinda
Há três anos, o juremeiro Alexandre L’Omi L’Odò instalou a Casa das Matas do Reis Malunguinho no bairro do Guadalupe, em Olinda. O lugar não foi escolhido aleatoriamente. A casa, conta ele, está no lugar onde corpos de escravos foram sepultados. Também está próxima da Igreja do Rosário dos Homens Pretos. No início da pandemia, Alexandre conta ter sido surpreendido por uma notificação da prefeitura a respeito de poluição sonora produzida na casa. Um vizinho, disse, teria feito a denúncia. Alexandre diz estar sendo vítima de racismo religioso.
Segundo Alexandre, logo que chegou à casa no Guadalupe, ele fazia reuniões religiosas todas as quartas-feiras. Aconteciam entre 16h e 23h, no máximo, diz ele. Depois, os encontros passaram a ser uma vez por mês. Além desses eventos, a casa também promove festividades no São João, carnaval, réveillon. Na pandemia, disse o juremeiro, pararam por conta dos riscos de contágio. “Voltamos a nos reunir no último domingo, com todos os cuidados, em uma atividade interna. Ao longo da pandemia, fizemos pequenos encontros para limpar a casa, com no máximo dez pessoas”, disse.
Alexandre cita a lei estadual 14.225, de dezembro de 2010, para explicar que a denúncia de poluição sonora não se aplica a ruídos e sons produzidos por manifestações religiosas. “Temos nossos direitos de povos tradicionais previstos em lei. Não podemos ser notificados por perturbação proveniente de religião”, pontua.
Para Alexandre, a prefeitura praticou racismo institucional ao dar andamento à denúncia de um vizinho. “Inclusive, um fiscal da prefeitura veio medir os decibéis pedindo para um jovem tocar um tambor, o que na verdade não condiz com a realidade.” O Diario tentou falar com o suposto autor da queixa, mas a casa estava fechada.
Coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo do Ministério Público de Pernambuco, a promotora Irene Cardoso Sousa diz que existe uma recomendação conjunta, de abril de 2018, para os promotores seguirem diretrizes sobre estado laico e racismo religioso. “O documento orienta os promotores durante a análise de denúncias de poluição sonora e perturbação do sossego. É preciso fazer uma interface, verificar se a situação se deu durante o exercício da religião. Nem todo som pode ser considerado um barulho. A recomendação assegura o direito à liberdade de crença e seu livre exercício, principalmente aos terreiros de matriz africana e afro-indígena”, pontua.
O caso relatado por Alexandre junto ao GT Racismo foi encaminhado ao MPPE de Olinda, onde já há reunião marcada. “É preciso abrir um diálogo e fazer ajustes com a prefeitura em relação à notificação recebida. Não se pode tratar tudo igual. Falta separar o joio do trigo. Ter um olhar diferenciado para enxergar o que é um simples barulho e o que é um som de um culto religioso”, acrescentou a promotora.
Em nota, a Prefeitura de Olinda informou que a notificação foi realizada após denúncia de moradores e “constatação da irregularidade pela fiscalização”. A Secretaria Executiva de Controle Urbano pede, ainda, a apresentação de um projeto acústico dos responsáveis pelo local e disse que está à disposição para um diálogo 8h e 13h, de segunda a sexta-feira.
“A Prefeitura de Olinda repudia qualquer forma de racismo e investe em políticas públicas afirmativas e de apoio a todas as religiões, dando atenção para as religiões de matriz africana, que, incorporadas à cultura olindense e brasileira, respondem em grande medida pela formação identitária do nosso povo”, diz um trecho da nota.
A nota cita, ainda, o programa Saúde nos Terreiros, que leva para esses locais serviços de consulta médica, aferição de pressão arterial, testes rápidos de HIV, sífilis e gravidez, avaliação nutricional, mamografia de rastreamento, saúde bucal e citologia, além de emissão de cartão SUS. Também é prestada assessoria jurídica com emissão de cartão de estacionamento para idoso e pessoa com deficiência, CadÚnico e carteira de Livre Acesso.