Duas operações da Polícia Civil de Pernambuco, realizadas na manhã desta terça-feira (21), resultaram no afastamento do prefeito de Paulista, Junior Matuto (PSB). O Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco) investiga supostas irregularidades cometidas por ele, junto a secretários municipais e empresários, na contratação da empresa responsável pela coleta de lixo no município e superfaturamento no aluguel de imóveis para a prefeitura.
As investigações estão sendo conduzidas pelo delegado Diego Pinheiro, com colaboração do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Diego explica que o afastamento foi solicitado para que Junior não interferisse nos trabalhos policiais. O vice-prefeito, Jorge Carreiro (PV), assumiu a vaga após ser empossado oficialmente pela Câmara de Vereadores de Paulista, no início da tarde desta terça.
A primeira operação deflagrada foi a Chorume, cujas investigações se iniciaram em novembro de 2018, mirando no contrato da prefeitura com a empresa I9 Paulista Gestão de Resíduos S.A., subsidiária da Locar. Na ocasião, a Polícia tinha investigado irregularidades na Câmara de Vereadores e atestou, por análise documental, que o então presidente da casa estava sendo beneficiado indevidamente.
“O então presidente tinha uma empresa de fachada, que possuía alguns caminhões caçamba alugados à Locar. E quem dirigia esses veículos eram dois servidores do gabinete do prefeito. Eram deles que vinha o benefício. Com esse uso indevido de serviço público, entramos em contato com o TCE e soubemos que o contrato, na modalidade de Parceria Público-Privada (PPP), estava sendo alvo de auditoria”, explica Diego.
Segundo o TCE, a prefeitura pagava mensalmente R$ 400 mil a mais. Entre 2013 e 2017, foram cerca de R$ 21 milhões desembolsados indevidamente. “Os auditores constataram que os investimentos previstos pela empresa, como uma usina de compostagem, não foram realizados como deveria. A prefeitura pagava cerca de R$ 2 milhões por mês, quando deveria ser algo no entorno de R$ 1,6 milhões. Aí foram recalculados os valores. Se não fosse essa intervenção, o valor excessivo poderia perdurar até o final do contrato, o que resultaria em mais de R$ 100 milhões”, conta o gerente de auditoria de obras municipais do TCE, Edgard Pessoa de Melo.
Meses antes do inquérito policial começar, foi emitido um alerta à Prefeitura de Paulista, em junho de 2018, dando prazo de quatro meses para que fossem tomadas providências. “Uma coisa que nos chamou a atenção durante as investigações foi que o prefeito, antes de exercer seu mandato, tinha sido funcionário dessa empresa (Locar)”, acrescenta o delegado Diego.
Ao todo, foram cumpridos 10 mandados de busca e apreensão em imóveis de Paulista, Recife e Caruaru - cinco desses em locais vinculados diretamente a Junior Matuto. Além de um mandado de suspensão do exercício de função pública (que afastou o prefeito), um de suspensão temporária na participação de licitações (contra a Locar) e o sequestro de valores. Estão sendo apurados os crimes de fraude em licitação, peculato, uso indevido do serviço público e associação criminosa.
Antes do caso ir parar na Polícia, o TCE tinha feito a reavaliação dos aluguéis e constatou diferenças entre o valor real de mercado e o preço desembolsado pela prefeitura. “A auditoria no aluguel dos imóveis foi feita no primeiro semestre de 2019. Em um período de dois anos, a prefeitura pagou em torno de R$ 960 mil reais em pagamentos indevidos à imobiliária”, discorre Edgard Pessoa de Melo, do TCE.
O contrato do prédio do Samu era de R$ 10 mil, quando deveria ser R$ 3 mil. O do Caps, de R$ 12 mil, deveria ser R$ 4,6 mil. O imóvel de Maria Farinha, de R$ 20 mil, devia ter sido alugado por R$ 5,2 mil. Mas a maior diferença foi constatada no imóvel do Janga - era pago R$ 24 mil de aluguel quando devia ser R$ 2 mil. “A propriedade também não era da imobiliária. Era sublocada. Enquanto era cobrado do município R$ 24 mil, o verdadeiro dono só recebia R$ 2 mil de remuneração”, relata
E segundo o delegado Diego Pinheiro, a empresa pertence a um amigo íntimo de Junior Matuto. “Verificamos que essa imobiliária foi criada dias após a primeira eleição do prefeito, em 2012, e pertence a um amigo dele que comprou quatro casas na cidade. Dias depois, elas foram requisitadas pela Secretaria de Saúde de Paulista. Também verificamos que foram utilizados documentos falsos pelo proprietário e que o prefeito teve um aumento patrimonial injustificado. Todos os servidores municipais envolvidos diretamente nessas dispensas de licitação foram negligentes por não fiscalizá-las”, revela o delegado Diego Pinheiro.
Próximos passos
As operações resultaram na apreensão de documentos, celulares e computadores, que serão analisados. “Vamos analisar todo o material apreendido, para poder fechar a investigação e remeter os autos ao Ministério Público e ao Poder Judiciário”, pontua o delegado Diego.
Em nota, Junior Matuto se defendeu: "Venho a público assegurar que acredito na justiça e as investigações em curso irão esclarecer os fatos e a verdade será restabelecida". Segundo apurado pela reportagem, o prefeito afastado se reuniu com advogados na tarde desta terça para discutir a questão.
O PSB de Pernambuco, em nota, afirma estar surpreso com o afastamento e que “tem confiança no trabalho desempenhando pelo prefeito Junior Matuto e enfatiza a importância do aprofundamento das investigações na certeza de que todos os fatos serão plenamente esclarecidos”.
A Locar disse que "não responde pelo trabalho executado no município do Paulista, sendo este de responsabilidade da I9 Paulista". Por sua vez, a I9 informa que firmou contrato de PPP com o município em 2013, “com o objetivo de solucionar crimes ambientais que vinham sendo cometidos pela prefeitura e que eram objeto de ação civil pública na Justiça Estadual e na Justiça Federal”. A instituição diz também que “investiu mais de 35 milhões, em cinco anos de operação, implantando a primeira Usina de Separação para retirada e aproveitamento de vidros, plásticos e metais antes de despejar no aterro sanitário”.
A I9 também classifica o relatório do TCE como “equivocado” e que “a empresa apresentou defesa contestando os apontamentos da engenharia, detalhando evidentes equívocos incorridos no relatório, defesa que ainda não foi julgada pelo TCE. No dia 4 de fevereiro de 2019, a prefeitura decretou, irregularmente, a intervenção no contrato PPP, assumindo a gestão do contrato por seis meses e, apesar de ter recebido oito meses contraprestação, deixou várias dívidas, o que também demonstra que não havia superfaturamento. Muito pelo contrário, a empresa tem pendências de recebimentos de valores devidos e não pagos em mais de R$ 30 milhões, além da indenização dos investimentos realizados”.
“Em agosto de 2019, a prefeitura cancelou o contrato PPP e contratou outra empresa, sem licitação, para executar quantidade menor de serviços, por valor maior do que vinha sendo pago a PPP, situação que permanece até a atualidade. Vale lembrar, também, que o equipamento automático separador de resíduos, que custou à parceria mais de R$ 25 milhões, encontra-se abandonado pela prefeitura, desde a decretação da intervenção. De igual modo, as instalações promovidas pela PPP, com investimentos de mais de R$ 5 milhões, estão sendo usadas pela atual empresa contratada pela prefeitura, para prestar os serviços à própria prefeitura”, prossegue.
Ao fim da nota, a I9 “lamenta que a PPP, após elevados investimentos para a implantação das melhores práticas ambientais em Paulista, algo que deveria servir de modelo, venha sendo destruída e criminalizada desta forma, na contramão da Política Nacional de Resíduos Sólidos e agora contra o Marco Regulatório de Saneamento”.
O TJPE também se manifestou sobre o assunto, informando que tramita “no 2º grau um inquérito policial, com pedido de medida cautelar, contra o prefeito de Paulista, Gilberto Gonçalves Feitosa Júnior (Junior Matuto). A ação corre em segredo de Justiça. O relator é o desembargador Cláudio Jean Virgínio que, neste mês, está de férias, sendo substituído pelo desembargador Alexandre Assunção”. Como a ação corre em segredo de justiça, a instituição não deu maiores detalhes.
Por fim, a imobiliária Interaminense foi procurada, mas o Diario não obteve retorno às ligações feitas para os telefones da empresa.