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Covid-19: Presídios acumulam mais de 600 casos e famílias cobram notícias

Cadeias, presídios e penitenciárias de Pernambuco estão com as visitas presenciais suspensas desde o dia 20 de março. A medida, determinada pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), visa conter o avanço do novo coronavírus dentro do sistema de ressocialização e só deve ser revista em 31 de julho. Para a pasta, a decisão foi acertada porque, dentro de um universo de 32 mil presos, foram registrados 664 casos e 6 óbitos dentro das unidades até essa quinta-feira (2). Mas as famílias reclamam da falta de informações e da demora em conseguir marcar uma videochamada - único recurso possível durante essa fase. E situações como as da Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, que tem mais de 190 casos, chamam a atenção.
“Foram quase dois meses sem notícias de meu irmão e do meu marido. Quando surgiu isso de videochamada, foi outra demora para conseguir ter acesso”, conta a dona de casa Ângela*, de 41 anos. O irmão dela está preso na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá; o marido, diabético e hipertenso, cumpre pena no Presídio Frei Damião, que integra o Complexo do Curado, no Recife. Para ela, a falta da família impacta mais do que a Covid-19. “Com toda certeza o que mais vai causar morte nesse período não são as infecções, e sim a depressão de não ter a visita dos parentes. A família que ajuda a pessoa a se ressocializar”, afirma.
Até conseguir ver o marido e o irmão, Ângela* penou. “As visitas foram suspensas, mas podia continuar mandando a feira que a gente compra para eles. Eu mandava uma carta junto da feira, perguntando como eles estavam, pedindo notícias. Os agentes penitenciários viam que era uma carta normal e deixavam entrar. Mas quando recebia a cesta da feira de volta não tinha resposta. E foi assim durante quase dois meses, sem saber se estavam vivos ou mortos”, relembra.
“Quem errou tem que pagar. Mas a cadeia em si já é um peso. Ficar sem apoio familiar é outro ainda maior. E em uma videoconferência, cheia de policial do lado, eles ficam se sentindo acuados, sem conseguir dizer direito se estão bem ou não. Eu entendo que a Covid-19 é uma doença perigosa, mas se reabriu comércio, praia e shopping, por que não reabre as cadeias? Fazendo uma higienização, deixando apenas um parente manter contato, sem visita íntima. O coração da gente sangra”, desabafa.
De acordo com a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), subordinada à SJDH, a videochamada é programada assim que o detento manifesta desejo em se comunicar com seus familiares. Com isso, entram na lista de programação de visitas familiares. A iniciativa começou oficialmente em 11 de maio - mais de um mês após a suspensão das visitas. Até a tarde de 3 de julho, foram realizadas 9.660 videoconferências. “Eu consegui, a muito custo, acesso a esse recurso. Mas conheço outras famílias que marcaram e não conseguiram. Como que elas ficam? Sem falar quando acontece alguma coisa, que a direção do presídio só informa depois de muito tempo”, reclama.
Adversidade
O questionamento de Ângela* se aplica à dona de casa Francisca*, 60. Ela alega que só conseguia ter notícias de seu filho, preso no Presídio de Igarassu, através de um celular irregular. Preocupada com a saúde dele, que piorava a cada dia, a senhora afirma que nunca recebia notícias por meios oficiais - leia-se assistência social da casa de detenção. “Diziam que ele estava bem, mas não avisaram à família quando transferiram ele para a UPA da cidade”, recorda.
O filho de Francisca* morreu no início de maio, com uma pneumonia aguda, suspeita de ter sido desencadeada pelo novo coronavírus. “Eu soube que ele tinha sido levado para a UPA graças ao advogado. A assistência social só me ligou dois dias depois. A obrigação deles era ter avisado de imediato. Sabiam que ele estava mal, mas demoraram a prestar socorro. Ainda choro com saudade dele. Quando o vi no hospital, ele tava fraco, tossia sangue, internado em uma ala com um monte de paciente misturado. Tinha gente com Covid-19, outros com pneumonia, outros com problema cardíaco”, alega.
Ela não permitiu que realizassem a autópsia do corpo, mas exige que a unidade médica mostre os exames de sangue e raios-x que realizaram nele. “Diziam que iam entregar, mas não recebi nenhum papel. Tive que enterrar meu filho rápido, em caixão fechado. Por isso estou correndo atrás dos meus direitos, vou mover uma ação contra o presídio e contra a UPA. Ele não vai voltar, mas espero que com esse processo que estou movendo não aconteça o mesmo com outras famílias. Tem mãe que tem medo, mas eu não tenho. Não vão poder fazer mais mal a ele”, comenta.
Em nota, a UPA de Igarassu esclarece que “nenhum pedido para avaliação de prontuário foi feito desde a internação do paciente em questão” e que “o prontuário está à disposição no setor de arquivo da UPA, mediante apresentação dos documentos de identidade da mãe e do paciente, assim como o atestado de óbito dele”.
Já a Seres nega omissão: “o detento recebia acompanhamento periódico pela equipe de saúde prisional”. “No dia 29 de abril, por volta das 13h, o detento deu entrada na unidade de saúde (prisional) relatando falta de ar, ânsia de vômito e diarréia, bem como febre na noite anterior. A equipe de enfermagem o atendeu e encaminhou à UPA”, discorre, em nota.
Coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização Carcerário (GMF), o desembargador Mauro Alencar frisa que a situação da Covid-19 nos presídios pernambucanos é monitorada diariamente por órgãos de controle externo. “As unidades prisionais estão testando e isolando casos, fazendo limpeza com mais frequência do que antes. Quando chega um preso novo, ele fica separado dos demais por 14 dias”, exemplifica.
“Todos os dias recebemos relatórios, que são repassados para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A cada 15 dias, também enviamos ao CNJ o número de casos confirmados e óbitos dentro do sistema prisional e socioeducativo (crianças e adolescentes)”, pontua Mauro.
*Nomes alterados por questões de privacidade e segurança.
*Nomes alterados por questões de privacidade e segurança.