° / °

Sem instrumento musical, estudante de música comove ao treinar com garrafa pet

Por




Os alunos e alunas de violino e viola do Movimento Pró-Criança, no Recife Antigo, não têm instrumentos próprios. A maioria dessas pessoas aprende com os disponibilizados pela instituição durante as aulas. Sem os encontros presenciais por conta da pandemia de Covid-19, os meninos e meninas ficaram prejudicados. Não têm como estudar a prática. Em meio ao desafio, um professor de música do Pró-Criança teve uma ideia para não interromper o aprendizado de música. Pediu ao grupo para usar garrafas pet e simular os instrumentos. Um dos alunos seguiu a orientação, gravou um vídeo com o feito e mandou ao professor. A partir daí, se deu o inesperado.

O aluno em questão é Miguel Felipe da Silva, 14 anos. Desde o ano passado, ele participa das aulas de viola com o professor Bernardo Lourenço, 26. “Eu já estava desaprendendo a tocar. Aí o professor pediu para eu entrar no canal dele, no YouTube, onde ele ensina a fazer os instrumentos com garrafa pet e canudo de papel”, contou Miguel. O professor explica que a “invenção” não emite som. É apenas uma forma de não parar com o aprendizado da técnica e mecânica do instrumento.

“Devido à pandemia, muitos ficaram sem acesso aos instrumentos. Antes, havia o empréstimo, mas muitos voltavam danificados. A questão é que durante o isolamento os alunos passaram a ficar ociosos, sem praticar nem mesmo a teoria. Além disso, a vida na comunidade chama né?”, analisa Bernardo.

Feliz com o resultado do vídeo do garoto enviado pelo WhatsApp, Bernardo postou a cena no próprio Instagram com uma legenda falando sobre a vontade de aprender de Miguel. Uma antiga conhecida do professor viu a cena e tomou a decisão. Doar um instrumento novo para o garoto.

Aline Lemos, 24 anos, estudante de direito e empresária, pensou em dar de presente a Miguel um violino que tinha em casa. Mas decidiu comprar um novo ao detectar uma pequena avaria no instrumento. Quando tinha 8 anos, ela também teve os primeiros contatos com o aprendizado da música. Mais tarde, parou ao engravidar. Durante a pandemia, chegou a comprar um teclado para voltar a estudar. Foi quando conheceu a história de Miguel.

“Eu conheci o Pró-Criança há muitos anos, quando meu irmão estudou lá um tempo. Sei que tem muitas crianças sem condições financeiras de comprar um instrumento. Até hoje é assim. Por isso a história dele mexeu comigo. Chorei a noite toda. Acho que tá todo mundo muito emotivo com tudo o que está acontecendo”, reflete Aline.


O violino é da família da viola. E se assemelham muito visualmente, inclusive na maneira de tocar. O som, no entanto, é mais encorpado, doce, menos estridente e mais grave. Como Miguel tem aulas de viola, Bernardo adaptou as cordas e o adolescente segue feliz com seu aprendizado em casa. “Eu estou muito feliz. Quero que essa pandemia passe logo para eu encontrar com ela e com a mãe dela para agradecer esse presente, abraçando e olhando no olho”, diz Miguel

A ideia de Aline agora é promover uma espécie de premiação no Pró-Criança. Assim que a pandemia acabar. Ela sugeriu a Bernardo escolher alunos destaque para receberem instrumentos, assim como aconteceu com Miguel. “Acho que termina sendo um incentivo para eles estudarem mais”, raciocina. 

Bernardo sempre morou em Brasília Teimosa, no Recife, e reconhece a importância do aprendizado da música para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Ele chegou à instituição com 8 anos e hoje é professor do espaço. É também um dos primeiros jovens que passaram pelo movimento a ingressar no curso de música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), considerado um dos mais difíceis de entrar. “Quando eu era criança, os professores do movimento fizeram a diferença na minha vida.” Parece que Bernardo tem feito a diferença na vida dos alunos também.