Na calçada estreita que leva ao Cais de Santa Rita, no Centro do Recife, famílias esperam doações. Com a aproximação do Natal, ocupam as ruas em busca de cestas básicas, roupas, fraldas e dinheiro. Os grupos, que incluem crianças, se juntam àquelas pessoas que já vivem em situação de rua e dormem em colchões, papelão e cobertores. Os pedintes sazonais acampam em locais movimentados nos meses de novembro e dezembro.
Para Maria Lima, 18, os dias na rua não são muito diferentes daqueles dentro do barraco onde mora, na Ilha Joana Bezerra. Ao lado do sobrinho de 11 anos e do irmão de quatro anos, ela deixou a filha de seis meses com a mãe e saiu de casa em busca de doações. “Meu marido está na mesma situação. Às vezes consegue um bico, quando não está trabalhando no sinal, limpando vidros”, conta.
A miséria nas ruas durante a temporada natalina é o retrato concreto da desigualdade também constatada em dados. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2019, divulgado ontem, o Brasil perdeu uma posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ficando em 79º entre 189 nações, com IDH de 0,761 em 2018. A dificuldade de avançar tem como um dos principais problemas a má distribuição de riqueza, já que quase 30% da renda total do país pertencem a 1% da população (leia mais na página B4).
Coordenador do Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP%2b), Wladimir Cardoso destaca que a população vivendo nas ruas praticamente dobra no fim do ano. “A vulnerabilidade se expressa pela falta de efetividade de ações governamentais, como espaços de acolhimento e restaurantes populares”, comenta.
O frade Marcos Carvalho, da Pastoral do Povo na Rua, pontua que o período de festividade e confraternização estimula as ações solidárias. “A gente percebe a maior concentração também em outros bairros, como Madalena, Espinheiro e Boa Viagem. E essa visibilidade acaba motivando as doações. O próprio sentido do natal mobiliza porque a gente vê aquelas pessoas sem uma condição de vida digna em uma data em que se comemora o nascimento de Jesus, que chegou pobre ao mundo”, diz.
Assistência
A prefeitura explica que acompanha a população sem-teto através do Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua. Segundo a nota, o município mapeia as pessoas em situação de rua em toda a cidade e “trabalha com a sensibilização e orientação, visando o resgate da cidadania”.
“O Serviço Especializado faz atendimentos individuais e coletivos, oficinas e atividades de convívio e socialização, além de ações que incentivem o protagonismo, o desenvolvimento de sociabilidades e o fortalecimento de vínculos interpessoais e familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida. É importante ressaltar que a prefeitura não pode realizar retirada compulsória da população em situação de rua. Sempre que há aceitação, as equipes fazem os encaminhamentos para acolhimento, retirada de documentos, acesso a saúde, inclusão em programas e benefícios sociais e tentativa de reintegração com a família”, explica o comunicado.
“Os casos são identificados, atendidos e encaminhados para os serviços necessários. Em caso de violência e violação de direitos, os casos são encaminhados para o Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social)”, continua a nota.
A prefeitura ressalta que também dispõe de dois Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua, situados em Santo Amaro e na Madalena, para as demandas mais emergenciais dos usuários. Esses locais realizam cerca de 400 atendimentos por mês.