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Cubanos do Mais Médicos ainda não sabem se e quando deixarão Pernambuco
Programa deve ser encerrado até setembro, mas informações desencontradas vêm gerando insegurança nos profissionais, pacientes e no próprio governo brasileiro

O médico Arnólis Henriquez, do quadro de mais de 500 cubanos que atuam no Programa Mais Médicos em Pernambuco, passou dez dias afastado da Unidade de Saúde da Família Chico Mendes, em Areias, na periferia do Recife, onde atende como clínico geral. Sua ausência do 'postinho', como é conhecida na comunidade a USF, lembrou o período anterior à sua chegada. As fichas não eram suficientes para todos os atendimentos e os pacientes voltavam para casa, depois de horas de espera, sem a consulta procurada. “Eu já vim no posto muitas vezes sem ficha e ele nunca deixou de me atender, mesmo quando já tinha passado do horário. Ele cuida da gente como nunca tinha acontecido”, conta a dona de casa Raquel da Silva,46, que ajudou a organizar um café da manhã coletivo quando Henriquez voltou a atender. A comunidade soltou fogos nesse dia.
No início do mês de julho, depois de receber um comunicado interno que assim determinava, Arnólis Henriquez se afastou da USF Chico Mendes. Henriquez chegou ao Brasil em novembro de 2013, integrando o primeiro grupo de 2.400 médicos, cujo retorno a Cuba estava previsto para acontecer entre julho e setembro deste ano. A prestação de serviço desses profissionais foi estendida em função das Olimpíadas e das eleições, mas Cuba já informou que não renovará a permanência por mais tempo, comprometendo-se, no entanto, a enviar novos médicos, sob novo acordo financeiro. Incendiada pela falta de transparência nas informações e por declarações do próprio ministro da Saúde, uma atmosfera de insegurança paira sobre profissionais, pacientes e sobre o próprio governo brasileiro, que estuda como repor os médicos que se preparam para deixar o país.
Henriquez retornou ao posto depois de receber uma ligação telefônica pedindo seu retorno, mas não sabe até quando poderá ficar como médico do programa. Casado com uma recifense, espera o nascimento de uma filha brasileira e não pretende voltar para Cuba. “Fiquei triste e surpreso com o afastamento, mas isso também me deu força. Encontrei o amor da minha vida, fiz uma família aqui e estou esperando a prova do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira) e vou ficar aqui, é minha casa”, afirma, para a felicidade dos moradores da comunidade Chico Mendes, que relatam uma transformação do atendimento desde sua chegada.
Atenção e respeito
“Ele é ótimo. É o melhor. Mesmo se não tiver ficha, ele atende. Cansei de chegar no posto 5h da manhã e mesmo assim não conseguir ficha. Os outros médicos olhavam e diziam 'volta amanhã', mas ele não. Ele atende”, conta Camila Maria da Silva, que usa a USF Chico Mendes há seis anos e diz que muita coisa mudou desde a chegada do cubano. “Quando ele voltou foi uma festa”, diz a dona de casa Ana Valéria, que lembra que o posto “ficou vazio” enquanto ele estava afastado. Para ela, a diferença principal é no trato com os pacientes. “Ele não tem pressa. Olha para você, seu cabelo, sua pele. Explica cada coisa e não tem problema de ficar uma hora atendendo”, conta.
Diante da grande procura pelo consultório de Henriquez, a comparação com outros médicos do posto é inevitável. “Uma vez trouxe meu filho com dor de garganta e o médico nem olhou. Como você passa um remédio sem examinar?”, reclama Joelma da Silva, 30, que mora na comunidade do Ximboré e divide o posto com os moradores da Chico Mendes, mas é atendida por outro profissional. “Só fui atendida por ele uma vez, porque o cheguei passando mal e a outra médica não quis atender por causa da hora. Ele me encontrou no meio do corredor e mandou eu esperar que ele me atenderia. É totalmente diferente”, compara. “Se ele for embora eu vou parar de vir aqui, vou direto para o hospital quando tiver alguma coisa”, promete Ana Valéria, que se queixa por não saber com clareza sobre a permanência do cubano no posto.
Desinformação gera insegurança
Apreensivos pela mesma incerteza, mais de 900 usuários da USF Vietnã I e II, em San Martin, fizeram um abaixo-assinado para pedir a permanência da médica cubana que os atende. “Passamos três anos sem médico antes dela chegar e fico preocupada com a possibilidade dela ir embora. Ela tem um comprometimento que é necessário para a comunidade. Além disso, sabemos o quanto a atenção básica é importante, o quanto impacta em todas as esferas da saúde e que o Brasil não tem profissionais suficientes para essa demanda”, avalia a enfermeira da unidade, com 30 anos de carreira, Rita de Cássia Ramos, 54.
A falta de informação não é privilégio dos pacientes. Médica do posto de saúde do Ibura, a cubana Glenis Ramires, 45, também não sabe quanto tempo ficará no Brasil. “Meu visto vence em novembro e acho que só ficaria até esse período, mas realmente não sei, não tenho certeza”, conta a médica, que diz ter disposição para ficar no Brasil e acredita que o país ainda necessita desse suporte estrangeiro. “O Brasil está precisando de apoio. Mesmo que não seja do Mais Médicos e seja outro projeto do governo, o país não tem condições de ficar só com os médicos que forma. Por enquanto, na minha opinião, essa prestação de serviço ainda é necessária”.
Humanidade e humildade
Para Glenis, vem da formação os motivos que levam os cubanos a serem exaltados diante de outros médicos. “Tem a ver também com o próprio sistema. Não quero falar em política e não é o caso, mas é totalmente diferente por muitas coisas. Coisas que a gente aprende desde a formação mas também quando termina. É outra visão da humanidade e de humildade. O que me move é a necessidade das pessoas, sua saúde. Tem que entrar nessa carreira por amor, não pode ser pelo capital. A gente precisa do capital, como todos, mas a primeira coisa tem que ser o amor, pela profissão, pelo próximo. Se não for assim, não faremos um trabalho bem feito em nenhuma parte do mundo”.
O médico da Chico Mendes concorda. “Toda pessoa vem aqui em busca de ajuda. Às vezes chegam nervosos e você acalma só perguntando o que ela comeu naquele dia. Depois de cinco minutos ela está um pouco mais calma. Se eu posso ajudar, por que não? Faço meu trabalho com amor”, conta Arnólis Henriquez, que dispensa a comparação com os médicos brasileiros. “Cada um é cada um e trabalha como acredita. Não é bom comparar.”
Diferente de Henriquez e apesar da disposição de ficar mais tempo, Glenis Ramires ainda não chama o Brasil de lar, embora diga que encontrou uma segunda família no país. Para a médica, que já havia trabalhado na Venezuela, o maior aprendizado é que não há remédio para a saudade. “Nas férias eu vou à Cuba e ligo às vezes (o minuto de uma ligação custa R$ 3,45), mas a saudade é muito grandona. Minha árvore está lá e meu emprego fixo também, isso aqui é uma prestação de serviço. E a saudade, ninguém tira. Dizem que a gente quando vai à Cuba mata saudades, mas ninguém mata a saudade.”
Ministério confirma continuidade do programa
Em uma reunião na semana passada, a cooperação entre Brasil e Cuba foi discutida entre o ministério, a OPAS e representantes do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Na ocasião, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Antonio Carlos Nardi, informou que o Ministério da Saúde vai brigar pela permanência dos profissionais que já estão no Brasil. “É um pedido dos gestores municipais e estaduais e principalmente da população que criou vínculo com esses médicos. Vamos fazer o possível para que eles fiquem, mas se não for possível, vamos tentar substitui-los rapidamente para que não haja desassistência”.
Para a vice presidente do Conasems, Iolete Soares, manter os profissionais que já estão no país é importante uma vez que eles já conhecem a realidade de cada localidade. “Nós apoiamos esse programa desde o início, falo pelos mais de 5 mil municípios e pela população atendida por esses médicos. É muito importante a permanência dos profissionais nos municípios por eles já saberem as dificuldades da região e conhecerem a comunidade que atendem diariamente há anos, muitos até formaram família no país”.
Através de uma nota, o Ministério da Saúde explicou que é constante a reposição de médicos que tenham desistido do programa, a partir de chamadas trimestrais. “No caso dos médicos cubanos, a substituição é feita diretamente pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) com o governo de Cuba”, disse o comunicado. Segundo o ministério, 300 médicos desembarcaram de Cuba no Brasil nos últimos dias para ocupar vagas em aberto e mais 250 são esperados até agosto.
“A estratégia do Programa Mais Médicos trará resultados permanentes para o Brasil. O Mais Médicos é um programa permanente, os bolsistas são transitórios até que se completem os objetivos de colocar médicos bem formados e qualificados, atendendo a população nos mais distantes locais do país”, afirmou o ministro Ricardo Barros.
Confira na íntegra a resposta enviada pelo Ministério da Saúde, que confirma a permanência destes profissionais:
O Ministério da Saúde reafirma que as atividades do Programa Mais Médicos continuam em andamento, bem como as reposições realizadas regularmente pela iniciativa. As vagas desocupadas por médicos brasileiros e de outras nacionalidades selecionadas por edital são repostas por meio de chamadas trimestrais. No caso dos médicos cubanos, a substituição é feita diretamente pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) com o governo de Cuba. Nos últimos dias, desembarcaram no país 300 médicos cubanos e a previsão é que mais 250 cheguem nesta semana e outros voos no mês de agosto.
Sobre o cronograma apresentado pela imprensa, não há qualquer comunicação oficial sobre o assunto. O Ministério da Saúde trabalha normalmente junto com a OPAS na reposição dos profissionais. Em reunião, na última sexta-feira (15), com a OPAS e representantes do governo de Cuba, o Ministério da Saúde prorrogou a permanência dos profissionais, que encerrariam suas atividades em julho, para até novembro deste ano, garantindo a continuidade do atendimento à população nas cidades durante o período eleitoral e dos Jogos Olímpicos.
A manutenção do Programa Mais Médicos está assegurada. É um compromisso do ministro da Saúde, Ricardo Barros, fortalecer a participação dos brasileiros no Mais Médicos e, enquanto houver necessidade e vagas a serem preenchidas, manter o convênio com a OPAS para o provimento de médicos no país. Dessa forma, o Ministério da Saúde reforça que não haverá desassistência nos municípios que participam da iniciativa.
Cuba pede reajuste de valores
Na reunião da semana passada, a vice ministra de saúde pública de Cuba, Marcia Cobas Ruiz garantiu que o país tem a intenção de continuar com a cooperação com o Brasil, mas frisou que um novo arranjo é necessário. “A desvalorização do câmbio nos últimos três anos foi maior do que o previsto e não houve nenhum reajuste, também gostaríamos de avaliar a possibilidade de uma remuneração diferenciada para os profissionais que estão trabalhando em áreas isoladas e de maior risco, entre outras considerações”, declarou.
Sobre a substituição dos médicos, a vice ministra não demonstrou possibilidade para que os médicos que já estão no Brasil permaneçam no país. “Os médicos que estão no Brasil retornarão para Cuba ao fim do seu contrato e outros médicos virão para substitui-los”, enfatizou, explicando que as Olimpíadas, as eleições municipais e o enfrentamento ao vírus Zika serão considerados.
Para os novos contratos, Cuba teria pedido um aumento de 30% na bolsa dos médicos, contra 10% oferecido pelo governo brasileiro. O ministro da Saúde garantiu que o Brasil está aberto a negociação, mas descartou um ajuste ainda este ano. "Não é possível, porque não há dotação orçamentária. Propomos um reajuste inicial para a renovação do contrato. Depois, para cada ano que passar, haverá correção pela inflação. É a nossa proposta", declarou.