Maria Dulce Baltar Buarque de Gusmão preserva com orgulho uma característica em extinção em tempos de efemeridade. Tem gosto pela leitura em papel e afinco por guardar na própria casa as páginas da história. Os fatos marcantes estão documentados em arquivos feitos por ela e também na sua memória, que hoje faz 90 anos e está entrelaçada diretamente com a vida quase bissecular do Diario de Pernambuco. Maria Dulce é assinante há mais de 40 anos do jornal. Todos os dias, acorda cedo e coloca entre as primeiras tarefas do dia ler as principais manchetes. Hoje, pela primeira vez, ao acordar às 7h e pegar a publicação no terraço, será ela própria notícia deste veículo.
Ler o jornal é um hábito de longa data na vida de Maria Dulce. Mesmo antes de casar, ela já tinha gosto pela leitura. Interesse em comum com o marido, com quem casou em 1950. Foi por causa dele que a idosa virou leitora assídua do Diario, uma tradição passada de pai para filho na casa do até então namorado. Desde aquela época, ela se acostumou a levantar para ler as notícias. Melando o dedo de cinza nas páginas, Maria Dulce soube de fatos antigos como a morte de Juscelino Kubitschek, em 1976, e leu as crônicas de Assis Chateaubriand.
Nem mesmo quando foi morar no Rio de Janeiro, durante seis anos entre as décadas de 1960 e 1970, ela deixou a paixão pelo Diario para trás. Vez ou outra, o marido ia às bancas procurar o tradicional informante dos fatos de Pernambuco. Depois da partida do amor, Maria Dulce regressou ao Recife e recebeu como herança a assinatura do jornal. Uma caminhada que já dura quatro décadas. “Faz parte da casa, é como um costume mesmo. Se não vem, sinto falta e ligo logo para reclamar. Às vezes, vou até a empresa do meu filho buscar o dele”, contou.
Maria Dulce é matriarca de uma grande família. Nove filhos, todos criados, crescidos e formados, 19 netos e 12 bisnetos, além de outros dois a caminho. Uma geração formada para amar ler jornais. Um dos netos, Álvaro Feitosa Filho, 22, costumava ler as coleções feitas pelo Diario e guardadas com carinho pela avó. Adquiriu com ela o hábito de conservar páginas históricas e até enveredou pela vida acadêmica em comunicação. Depois, acabou trocando para direito, mas permanece amante do jornal. “Eu sempre achei que valia a pena recortar e guardar certas páginas para mostrar aos meus netos no futuro”, explica Maria Dulce.
As editorias mais lidas por Maria Dulce são Local e Esportes, sobretudo quando o Sport perde. Nas palavras de um dos filhos, as páginas ficam até gastas pelo dedilhar da alvirrubra ferrenha. Quando ela gosta do texto, não importa o tamanho, lê até o fim. Apesar disso, confessa Maria Dulce, já foi uma leitora mais assídua. A idade implica certas restrições.
A vida está mais tranquila do que na época em que dava mais de um expediente para cuidar do trabalho e dos filhos. Dentre as obrigações atuais, está a de receber os bisnetos toda as quinta-feiras para um tradicional almoço com pirão de peixe, receita própria, pegar o Diario todas as manhãs e cuidar das contas. Maria Dulce não confia nas calculadoras, faz tudo sempre à mão e correto. Diz que não precisa de mais nada a essa altura da vida.
Ia realizar a viagem anual a Aparecida, em São Paulo, na data do aniversário. Após insistência dos filhos, decidiu ficar. Hoje, ela reconhece com a sabedoria de nove décadas, é uma data como poucas. A festa foi organizada pela família, antes disso haverá uma missa. Maria Dulce está empolgada, mas a felicidade maior reside nas caixas amontoadas no terraço de casa. O presente, expresso no convite, é uma cesta básica. “Fiz uma lista de instituições e vou doar. Não preciso armazenar presentes”,disse. Dulce, é exemplo para as gerações.
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