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Editorial: Violência autorizada

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Embora o Código Civil estabeleça que a idade mínima para o casamento seja 18 anos, o Brasil é o quarto país do mundo e o primeiro da América Latina em número de matrimônios infantis de pessoas entre 10 e menos de 18 anos — mais de 1,3 milhão —, atrás da Índia, de Bangladesh e da Nigéria. As jovens casadas até 15 anos somam 877 mil. Casais entre 10 e 14 anos são mais de 88 mil, vivendo em uniões formais e informais. O estudo do Instituto Pro Mundo tomou como base o Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúda da Criança e da Mulher (PNDS), realizada a cada década pelo Ministério da Saúde

Apesar de não ser novo, o tema ainda é pouco discutido e está entre os fatores que contribuem para falta de equidade entre homens e mulheres, agravado pelo patriarcalismo e o machismo, responsáveis, em boa medida, pela violência contra as mulheres. Os danos do casamento precoce vão desde o desenvolvimento físico, psicológico, educacional até cultural. É fator de alimentação da pobreza e da misériae afeta muito mais as meninas do que os garotos.

Elas engravidam e pelo menos 30% abandonam a escola devido aos cuidados exigidos pela criança. Para Martin Raise, diretor do Banco Mundial para o Brasil, “coibir essa prática é fundamental para a promoção da igualdade de gêneros e, consequentemente, para o desenvolvimento social e econômico do país”. O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) estima que, diariamente, nascem em todo o planeta 7,3 milhões de bebês de mães com 17 anos ou menos.

Até 2030, haverá mais de 1 bilhão de meninas no mundo que perderam a infância para o casamento, segundo projeção do UNFPA. Em todo o mundo, anualmente, 15 milhões de meninas se casam antes de 18 anos. No Brasil, essa é a realidade de 36% da população feminina, segundo relatório do Banco Mundial, intitulado Fechando a brecha: melhorando as leis de proteção à mulher contra a violência, lançado, este ano, no Dia Internacional da Mulher (8 de março), em parceria com o UNFPA e a ONU Mulheres.

O Código Civil brasileiro autoriza a união entre jovens de 16 anos, desde que autorizada pelos pais. Na América Latina, 24 países preveem pena para quem permite o casamento precoce. No Brasil, não há punição quando isso ocorre. Ao contrário. A lei contempla, inclusive, excepcionalidades para os matrimônios entre pessoas com menos de 16 anos, “para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”.

Para os organismos internacionais, o casamento infantil é uma violação dos direitos das adolescentes. As garotas são as mais expostas à violência doméstica, à infecção pelo HIV/Aids e à morte durante a gravidez e o parto, além de serem vítimas do estupro matrimonial. Por mais que o Brasil tenha avançado na legislação para proteger crianças, jovens e mulheres das agressões no lar praticadas por adultos, maridos e companheiros, precisa rever a questão do matrimônio precoce.

O Ministério da Saúde, desde o ano passado, avalia o uso de implante de contraceptivo para evitar a gravidez em adolescentes. A medida preventiva é insuficiente. Não basta distribuir medicamentos se não há orientação sexual nem políticas públicas que criem condições dignas para o desenvolvimento de crianças e jovens no país, o que implica mais educação e menos miséria.