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José Paulo Cavalcanti Filho: Campos de concentração no Brasil (2)
José Paulo Cavalcanti Filho é jurista, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
Quando Mickel Sava Nicoloff (alemão como o pai, só para lembrar) foi chegando à maioridade, sua madrinha, dona Marieta Lyra de Azevedo, oficial do Registro Civil de Caruaru, providenciou uma outra certidão de nascimento para ele. Por esses novos papéis, Mickel deixou de ser alemão e passou a ter nascido em Caruaru. Seus mais de dez nomes familiares, porém, foram abandonados. Ficou só Mickel, como o pai; Sava, como o avô; e Nicoloff, sem o von, como nome de família.
Voltando ao que interessa, imagina-se que seu pai terá sido encaminhado a algum campo de concentração. Nunca se soube onde seria. Nesse ponto, e considerando o silêncio constrangedor de nossos livros de história sobre o tema, o leitor amigo perguntará se terá mesmo havido algo assim por aqui. Abro parênteses para dizer que se trata de instituição bem mais comum do que se pensa. E nesse ponto refiro, sempre, espaços à margem dos processos legais de cada país.
A primeira experiência com campos de concentração ocorreu com a Grâ-Bretanha, na Guerra dos Bôeres (que findou em 1902), quando os britânicos ainda ocupavam a África do Sul. Depois, com alemães, na colônia do Sudoeste Africano (atual Namíbia). O episódio é hoje conhecido como o primeiro genocídio do século XX, contra rebeldes Hererós e Namaquas - entre 1904 e 1907. E a França, pouco depois, respondeu por 3,5 milhões de mortes em 25 campos africanos próximos das atuais fronteiras com Iraque, Síria e Turquia.
Não só lá. União Soviética (entre 1923 e 1961, sobretudo nos tempos de Stalin), com os Gulags (Sibéria). China com seus laogais, até 1990 (no total, chegou a abrigar 50 milhões de chineses). Aqui mais próximos, na Argentina, durante a ditadura militar (de 1976 a 1983), os Centros Clandestinos de Detenção (CCD). E no Chile, durante a ditadura de Pinochet, o Estado Nacional e a Villa Grimaldi. Além de muitos outros lugares - Espanha, Itália, Japão, Portugal.
Sem esquecer a Alemanha nazista, com os mais famosos deles (Auschwitz-Birkenau, Buchenvald, Treblinka, tantos mais) em que se estima terem sido 8 milhões de pessoas encarceradas nesses espaços que eram sobretudo de extermínio. Faltando lembrar campos ainda hoje existentes: em Guantánamo (Cuba), sob responsabilidade dos Estados Unidos; e na Coréia do Norte (com mortalidade elevada), de um ditador (Kim Jong-un) do século XIX em pleno século XXI.
Falta, na relação, nosso Brasil. Os números oficiais indicam que tivemos, na Segunda Guerra, 12 campos de concentração. Para manter presos cidadãos nascidos na Alemanha, Itália e Japão. Sem mais detalhes. Segundo registros, o de Pernambuco ficava em local conhecido como Chã de Estevam - hoje, Araçoiaba. Só que foram mais. Talvez o pai de Mickel tenha ido para lá. Ou mesmo para o de Paulista, citado por Rostand. Seja como tenha sido, imagino que terá tido morte natural; que, segundo o mesmo Rostand, eram “campos mais de confinamento que de concentração”.
Passa o tempo e o pai de Mickel jamais voltou para casa. Como a Lei de Acesso à Informação reduziu o prazo de sigilo dos documentos nacionais para 30 anos, em 2018 teremos a chance de saber o que aconteceu. Se os documentos não tiverem sido incinerados - como consta na tosca desculpa oficial dada para esconder a história suja dos quartéis, na ditadura militar de 1964.
De tudo se vendo que a história é, mesmo, o fato na versão do vencedor. Tivesse a Alemanha ganho a guerra, e os campos de concentração exibidos nos filmes seriam aqueles dos aliados. Inclusive no Brasil. Só que ela perdeu. E tristemente famosos acabaram só os dela. O que dá mesmo razão a Voltaire: “É precisamente assim que se escreve a história”. E segue a vida.
Voltando ao que interessa, imagina-se que seu pai terá sido encaminhado a algum campo de concentração. Nunca se soube onde seria. Nesse ponto, e considerando o silêncio constrangedor de nossos livros de história sobre o tema, o leitor amigo perguntará se terá mesmo havido algo assim por aqui. Abro parênteses para dizer que se trata de instituição bem mais comum do que se pensa. E nesse ponto refiro, sempre, espaços à margem dos processos legais de cada país.
A primeira experiência com campos de concentração ocorreu com a Grâ-Bretanha, na Guerra dos Bôeres (que findou em 1902), quando os britânicos ainda ocupavam a África do Sul. Depois, com alemães, na colônia do Sudoeste Africano (atual Namíbia). O episódio é hoje conhecido como o primeiro genocídio do século XX, contra rebeldes Hererós e Namaquas - entre 1904 e 1907. E a França, pouco depois, respondeu por 3,5 milhões de mortes em 25 campos africanos próximos das atuais fronteiras com Iraque, Síria e Turquia.
Não só lá. União Soviética (entre 1923 e 1961, sobretudo nos tempos de Stalin), com os Gulags (Sibéria). China com seus laogais, até 1990 (no total, chegou a abrigar 50 milhões de chineses). Aqui mais próximos, na Argentina, durante a ditadura militar (de 1976 a 1983), os Centros Clandestinos de Detenção (CCD). E no Chile, durante a ditadura de Pinochet, o Estado Nacional e a Villa Grimaldi. Além de muitos outros lugares - Espanha, Itália, Japão, Portugal.
Sem esquecer a Alemanha nazista, com os mais famosos deles (Auschwitz-Birkenau, Buchenvald, Treblinka, tantos mais) em que se estima terem sido 8 milhões de pessoas encarceradas nesses espaços que eram sobretudo de extermínio. Faltando lembrar campos ainda hoje existentes: em Guantánamo (Cuba), sob responsabilidade dos Estados Unidos; e na Coréia do Norte (com mortalidade elevada), de um ditador (Kim Jong-un) do século XIX em pleno século XXI.
Falta, na relação, nosso Brasil. Os números oficiais indicam que tivemos, na Segunda Guerra, 12 campos de concentração. Para manter presos cidadãos nascidos na Alemanha, Itália e Japão. Sem mais detalhes. Segundo registros, o de Pernambuco ficava em local conhecido como Chã de Estevam - hoje, Araçoiaba. Só que foram mais. Talvez o pai de Mickel tenha ido para lá. Ou mesmo para o de Paulista, citado por Rostand. Seja como tenha sido, imagino que terá tido morte natural; que, segundo o mesmo Rostand, eram “campos mais de confinamento que de concentração”.
Passa o tempo e o pai de Mickel jamais voltou para casa. Como a Lei de Acesso à Informação reduziu o prazo de sigilo dos documentos nacionais para 30 anos, em 2018 teremos a chance de saber o que aconteceu. Se os documentos não tiverem sido incinerados - como consta na tosca desculpa oficial dada para esconder a história suja dos quartéis, na ditadura militar de 1964.
De tudo se vendo que a história é, mesmo, o fato na versão do vencedor. Tivesse a Alemanha ganho a guerra, e os campos de concentração exibidos nos filmes seriam aqueles dos aliados. Inclusive no Brasil. Só que ela perdeu. E tristemente famosos acabaram só os dela. O que dá mesmo razão a Voltaire: “É precisamente assim que se escreve a história”. E segue a vida.