Por Fernando Dias (*)
Uma grande empresa de bebidas, por exemplo, vem investindo alto em uma campanha para informar que ela possui uma apresentação de seu produto na medida da sede do consumidor. Trata-se de uma proposta a princípio interessante, pois permite ao consumidor uma escolha mais adequada a sua real necessidade. Mas, será só isso? As seguintes apresentações estão disponíveis para um produto: 220 ml, 237 ml, 250 ml, 290 ml, 310 ml, 350 ml, 400 ml, 600 ml, 750 ml, 1 L, 1.25 L, 1.5 L, 1.75 L, 2 L, 2.25 L, 2.5 L e 3.0 L (espero não ter esquecido nenhuma). Não raro as apresentações similares têm o mesmo preço, e é mais caro quanto menos produto você leva.
Órgãos de defesa do consumidor e o ministério público costumam ver a profusão de embalagens como uma estratégia de enganar o consumidor, reduzindo a quantidade do produto ao mesmo tempo que elimina apresentação anterior e mantém o preço. Esta é uma história já antiga que ganhou maior destaque na mídia à época dos congelamentos dos anos 1980 e 1990, como uma estratégia de fugir justamente do congelamento. O destaque aquele tempo foi o papel higiênico, cujo rolo reduziu de 40 metros para 30, e depois foi seguido por pasta de dente, bebidas, sabões e uma infinidade de produtos. De lá para cá o movimento se mantém e não raro encontrar uma “nova apresentação” no supermercado nos dias de hoje.
Muitos restaurantes também praticam esta estratégia ao manter o preço reduzindo ingredientes/porções. Em qualquer caso temos uma situação onde apresentam ao mesmo tempo uma maior diversidade de produtos, o que é bom, e uma forma de levar o consumidor a pagar mais por menos, o que é ruim. Qual deles domina? Depende muito do que os economistas chamam de qualidade da informação.
Explico. Para analisar a realidade economistas, e quaisquer outros cientistas sociais, lançam mão de abstrações na forma de modelos. Qualquer modelo é uma simplificação da realidade que permite ao analista estudar muito com base em muito pouco, e a validade de cada modelo depende de quão bem ele explica o objeto a que se pretende estudar. Modelos, por sua vez, são construídos em cima de hipóteses, e a capacidade do modelo sobreviver ao relaxamento destas hipóteses é uma das chaves para sua sobrevivência como ferramenta analítica no longo prazo.
O modelo mais utilizado pelas economistas para analisarem o mercado depende crucialmente do que os agentes econômicos sabem sobre os produtos que lhe são oferecidos. Como esta informação claramente não é perfeita, o cenário do dia a dia a ser analisado é aquele onde existe espaço para que alguns dos agentes consigam ganhos pelo simples fato de saberem algo que outros não sabem. Reside nesta imperfeição a oportunidade para o ganho com estas mudanças de embalagem, pois o consumidor usual simplesmente compra unidades de produto, ela não costuma se deter lendo embalagens ou calculando preço por unidade de peso.
É certo que uma oferta mais ampla de apresentações de um produto favorece o consumidor pois permite uma escolha mais adequada a seu perfil de consumo. Mas a teoria sugere que o hábito do consumidor permite uma “falha” de informação que leva a possibilidade de ganhos pelo produtor alterando levemente quantidade para menos e mantendo a imagem da apresentação anterior. Supondo que somos todos racionais é exatamente isso que a teoria sugere que deva acontecer, e a realidade mostra que acontece. Resta ao agente público servir como fiel da balança e barrar este tipo de prática.
(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.
Leia a notícia no Diario de Pernambuco