CINEMA
Indicado ao Oscar, 'O Brutalista' põe concreto no sonho americano
Longa com Adrien Brody concorre ao Oscar em dez categorias, incluindo Melhor Filme, Direção, Ator e Fotografia
Por: André Guerra
Publicado em: 20/02/2025 08:00 | Atualizado em: 20/02/2025 20:13
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Adrien Brody é favorito ao Oscar de Melhor Ator, tendo vencido o Globo de Ouro, o Critics's Choice e o BAFTA na mesma categoria (Universal/Divulgação) |
Novo longa de Brady Corbet, vencedor do prêmio de Direção do Festival de Veneza 2024, O Brutalista, que chega hoje aos cinemas do Recife, acompanha o arquiteto húngaro László Toth (Adrien Brody), que, em 1947, escapa da Europa devastada pela guerra e segue para os Estados Unidos, enquanto aguarda a chegada da sua esposa (Felicity Jones). Apadrinhado pelo magnata Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), que se encanta com seus designs e lhe oferece o trabalho de projetar um ambicioso monumento moderno, Toth finalmente tem a oportunidade de revelar seu talento transformando a paisagem da América. O horizonte, no entanto, é mais distante do que parece.
A estética brutalista, caracterizada pelo uso de concreto aparente em construções massivas que transformam a praticidade e funcionalidade em estilo, teve seu auge entre os anos 1950 e 1970 - e é justamente esse recorte temporal que o filme faz em sua extensa duração de mais de 3h30 (contando um intervalo à moda antiga). Apesar da história ser ficcional, o roteiro, também assinado por Corbet, estabelece uma série de paralelos entre a jornada de ascensão e queda do protagonista e a própria formação arquitetônica (e cultural) do país.
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Universal/Divulgação |
O Brutalista impressiona pelo custo estimado em 10 milhões de dólares (muito pouco para uma produção dessa escala), sobretudo por ter sido filmado em VistaVision, formato raro de alta resolução para película 35mm. É um projeto que, por si só, parte de uma ambição similar ao monumento sonhado pelos seus próprios personagens, sendo, como experiência emocional, tão árido e exigente quanto ele.
Toth está longe de ser um protagonista fácil de se relacionar, mesmo porque a plateia já o conhece no momento em que a guerra acabou e não possui tantas referências do seu passado sofrido para se conectar de maneira instantânea. É um protagonista que já chega, assim, carregado de um peso do qual o público não tem dimensão e, no enorme recorte temporal, suas atitudes são muito mais reativas do que proativas.
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Universal/Divulgação |
Brady Corbet fez anteriormente um outro filme com história original nessa toada de forjar um tom de cinebiografia, o drama Vox Lux, em que Natalie Portman interpretava uma cantora pop que se tornou uma estrela por conta de uma enorme tragédia. Já naquele trabalho ficava evidente como o cineasta impunha um caráter denso e operístico (seja ele verdadeiro ou não) para fazer não exatamente um estudo de personagem, ainda que esse esteja lá de alguma maneira, mas, sim, um comentário macro sobre a relação do país com a fama.
Em O Brutalista, o diretor dá um passo mais audacioso nesse sentido, já que o estilo arquitetônico que escolheu para guiar a história tem um peso simbólico na premissa de reconstrução que vai muito além de uma simples obra de arte. Toda a jornada de ascensão e queda de Toth vai dialogar com um olhar imigrante que instrumentaliza os seus traumas na criação artística, mas que tem a mesma apropriada em função de um projeto que regurgita as suas origens como pessoa.
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Universal/Divulgação |
A primeira metade evoca um ideal de cinema americano imponente dos anos 1970, com imagens marcantes de um horizonte de uma estrada sem fim e uma trilha sonora grandiloquente, que marca esse ideal de sonho a caminho, de grandeza a ser conquistada. Já segunda metade é particularmente mais irregular e propositalmente cheia de frustrações e anticlímaxes, como uma negação do próprio épico proposto pelo início.
A abertura, que mostra a imagem da estátua da liberdade de cabeça para baixo, porém, não deixa mentir. Isso aqui é uma desconstrução do sonho americano quase ao pé da letra: com a promessa de recomeço e prosperidade para o imigrante, aquele país revela ter bem mais a tirar dele do que a oferecer.
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Universal/Divulgação |
Não deixa de ser interessante observar como a elegância de boa parte da produção de O Brutalista frequentemente dá lugar a quebras formais. Os enquadramentos pomposos das externas são de repente rompidos com cortes abruptos, câmeras soltas que buscam um registro mais cru, destoante da linguagem rígida do conjunto.
Alguns confrontos que deveriam ser dramaticamente carregados soam afetados pela tentativa de legitimar uma narrativa ficcional através de clichês consagrados (o arco da personagem de Felicity Jones representa exatamente isso). O desfecho explicativo, se encarado como parte dessa ideia de legitimação - ou mesmo como uma sátira -, talvez seja visto com um olhar mais generoso, mas certamente vai provocar divisões.
O que acaba remediando as arestas de ritmo e tom do filme é o aspecto curiosamente metalinguístico na sua existência. Uma tentativa de construir um monumento formal com uma série de limitações orçamentárias que jamais transparecem devido ao estilo impositivo. Nada mais brutalista do que isso.