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Notícia de Divirta-se

GASTRONOMIA

Chef Rosa Maria é a heroína do Hotel Central e dona do pedaço

Hoje empresária, Rosa Maria começou como camareira, virou cozinheira e quer transformar sua história vitoriosa em livro

Publicado em: 14/02/2025 06:00 | Atualizado em: 18/02/2025 11:38

Chef Rosa Maria é dona do hotel mais antigo do Recife (Foto: Ruan Pablo/DP Foto)
Chef Rosa Maria é dona do hotel mais antigo do Recife (Foto: Ruan Pablo/DP Foto)

 
Dentro das paredes centenárias do Central, que já foi o edifício mais alto do Nordeste, passaram figuras ilustres como Carmem Miranda, Orson Welles, Luíz Gonzaga e o ex-presidente Getúlio Vargas. Mas o espaço também guardou cenas de simplicidade, como as da infância de Rosa, que brincava nos salões que um dia salvaria, e de superação, diante dos casos de racismo que ela enfrentou. Essas memórias, com suas alegrias e dificuldades, formaram uma mulher negra empreendedora e cozinheira de mão cheia. “Não queria que o hotel fechasse. Ele representa a minha vida, da minha família, dos amigos que fiz aqui e que continuam comigo até hoje”, expressa Rosa, em conversa exclusiva com o Viver. 

Se a paixão pelo Central ela herdou da mãe, foi o pai, Manoel Lourenço, quem despertou o gosto pela cozinha. No sítio onde a família vivia, em Ouro Preto, em Olinda, aprendeu os segredos da charque desfiada crocante e da galinha de cabidela, que hoje são referência no Tempero da Rosa, instalado nas dependências do prédio. "O cardápio aqui é o mesmo que meu pai me ensinou”, descreve. Em uma cozinha que valoriza pratos tradicionais, o refinamento tem pouco espaço. “Não que eu não saiba fazer, mas o que eu realmente gosto de preparar é feijão com carne, jerimum, maxixe… Com gosto de casa e de tradição”, acentua a chef. 
 
Antigamente, no entanto, o estilo rústico não agradava os paladares da elite pernambucana. Em seu primeiro contato com panelas e condimentos, ela precisou se adaptar aos cortes sofisticados após uma breve experiência como camareira. “Não gostava muito da minha primeira profissão. Por isso, lutei muito para ficar na cozinha, que era o que eu realmente queria”, relata. Para conquistar espaço no fogão, Rosa precisou provar seus dotes culinários. “Minha primeira experiência foi cortando verduras, porque, no início, as pessoas não me davam muita oportunidade”. 
 
 (Foto: Ruan Pablo/DP Foto)
Foto: Ruan Pablo/DP Foto
 
O cheiro inebriante que vem da cozinha se mistura com as serestas embaladas pela voz de Rosa. “Cozinhar cantando sempre fez parte de mim. Meu pai era seresteiro, então cresci ouvindo Nelson Gonçalves, Núbia Lafayette, Elizeth Cardoso, Edith Veiga, Cláudia Barroso, Waldick Soriano, que amo de paixão”. Quando o assunto é música, para ela, há um único rei. “Que Roberto Carlos, que nada. É Reginaldo Rossi, claro. Primeiro vem Jesus, e depois, Reginaldo, ouviu?", avisa. 

Até abrir mão da estabilidade do emprego fixo pelo desejo de reerguer o Central, foram 15 anos de labuta na cozinha. Hoje, a história do hotel se divide entre antes e depois de Rosa, que projeta detalhar suas conquistas em livro no futuro. “Já estava muito deteriorado, com muitas coisas antigas que precisavam ser renovadas. Senti que ele estava chegando ao fim, mas consegui salvar essa história. Já dei vida nova a ele”, celebra. Um dos passos mais importantes desse resgate foi a ampliação da capacidade, que passou de 9 para 28 quartos disponíveis para check-in.

Sob o teto do Central, Miró da Muribeca, artista marginal das ruas do Recife, fez sua poesia visceral descansar e renascer mais forte do que nunca em três ocasiões. O privilégio de Rosa em recebê-lo foi ainda maior na última vez, em 2022, quando ele pediu para passar seu final de vida no hotel. “Acho que realizei o último desejo do Miró, e isso me conforta”. Por outro lado, lamenta que a escultura do poeta, instalada na Avenida Rio Branco, não esteja no local que de fato merecia. “Sempre que passo pela estátua dele, sentado ali sozinha, me dá uma dor no coração. Tinha que estar aqui. Mas eu tenho algo melhor, que é a lembrança de Miró sempre comigo. E isso vale mais que tudo”, afirma, emocionada.
 
 (Foto: Ruan Pablo/DP Foto)
Foto: Ruan Pablo/DP Foto
 
As vitórias vêm naturalmente quando se ama o que faz. Rosa colhe o reconhecimento não só de quem passa pelo seu restaurante, mas de gente espalhada por todo o país. Ela até já ensinou a receita de pé-de-moleque do seu pai no programa É de Casa, da TV Globo. “A cozinha é minha vida, simplesmente porque amo cozinhar, meu filho”. No Central, a receita é simples: o sabor tem memória, os clientes têm nome e o tempero é sempre de Rosa.