CINEMA
A tragédia de Amy Winehouse
Canções marcantes e interpretação formidável de Marisa Abela no papel da cantora ajudam a manter dentro dos trilhos a cinebiografia protocolar 'Back to black'
Publicado em: 16/05/2024 06:00 | Atualizado em: 16/05/2024 08:04
Universal/Divulgação |
Durante um curto e memorável intervalo de tempo, a música britânica teve em Amy Winehouse não apenas uma de suas mais marcantes vozes, mas também a principal responsável por um novo momento dos artistas do Reino Unido na indústria fonográfica ocorrido nos anos 2000, a chamada ‘Segunda Invasão Britânica’. Célebre pela sua caracterização inesquecível e por composições que entraram nas veias da cultura pop tão rápido quanto sua trajetória de ascensão e queda, a artista londrina bateu recordes de vendas entre 2006 e 2008, tornando-se uma das mais premiadas do país. O sucesso, porém, convivia com o vício a diferentes tipos de droga, crise no relacionamento e luta contra a depressão. Em julho de 2011, Amy foi encontrada morta, aos 27 anos, por alta ingestão de álcool após um longo período de abstinência.
Em 2015, foi lançado o documentário Amy, que chegou a vencer o Oscar da categoria no ano seguinte, e agora, já em cartaz, tem-se a cinebiografia Back to black, dirigida por Sam Taylor-Johnson (O garoto de Liverpool e Cinquenta tons de cinza) e protagonizado por Marisa Abela. O filme acompanha a trajetória da cantora desde sua estreia na cena musical britânica, em 2003, quando começou a receber excelentes críticas e ainda não tinha grande difusão fora, até seu tão efêmero auge, iniciado com o álbum ‘Back to black’, de 2006. A devoção à mãe, Janis (Leslie Menville), a participação constante em sua carreira do pai, Mitchell (Eddie Marsan), e sobretudo a conturbada relação com o marido Blake (Jack O’Connell) permeiam esses anos retratados pelo filme, ainda que suas presenças se resumam a notas simplistas do roteiro.
Seguindo os moldes da cinebiografia musical padrão dos últimos anos, o longa tem uma dificuldade menor para fazer o clássico ‘resumo da obra’ do que similares recentes do gênero, já que, tragicamente, a carreira de Amy durou tão pouco e não há tantos recortes temporais possíveis a serem feitos. Ainda assim, nota-se uma preocupação grande em picotar esse período para dar conta dos momentos e pessoas mais importantes da vida dela, de forma que, como em tantos outros casos, a narrativa se torna branda e o peso dos acontecimentos fica apenas na teoria.
O crescimento meteórico do nome Amy Winehouse praticamente não é explorado pelo ato inicial de Back to black, com a provável justificativa de que a história é contada pela perspectiva da protagonista e ela mesma reafirma que a fama e a fortuna nunca foram seus objetivos com a música. É positivo, por outro lado, que o filme fuja do clichê dos letreiros temporais e das exposições de dados; embora as coisas aconteçam sem a gravidade necessária à persona de Amy, é notável a fluidez com que a montagem intercala as canções (quase sempre rodadas na íntegra) com os principais eventos da sua vida, mas Back to black nunca tem pulso suficiente para ir além da ilustração e atingir a emoção genuína.
A grande surpresa aqui, porém, é a interpretação entregue e voluptuosa de Marisa Abela, numa escalação que gerou desconfiança sobretudo pela enorme diferença na fisionomia. Em momentos pontuais, é, sim, difícil enxergar Amy Winehouse na tela, mas, durante boa parte do longa, a caracterização faz o máximo para que a atriz se transforme na estrela sem se transformar em um cover. Na maneira de impostar a voz trágica, na frustração do olhar seguido de curtas alegrias e no modo de sentir as canções como a melhor coisa que ela pode tirar da sua dor permanente, Abela desafia a notória dissemelhança e as fraquezas do filme – tornando-se, de relance, a própria Amy.