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Especialistas divergem sobre uso de remédios que alteram o estado psíquico

O excesso de prescrição e de ingestão é um dos principais argumentos de especialistas como Peter Gotzche, diretor do Nordic Cochrane Centre, ligado ao Hospital Nacional da Dinamarca

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Comportamentos fora da linha já foram atribuídos a forças externas. A possessão demoníaca, por exemplo, justificou muitos dos casos que, durante a Inquisição, foram solucionados na fogueira. A ciência derrubou o link entre o sobrenatural e atividades racionais. Descobertas de bases biológicas de doenças e transtornos psiquiátricos provocaram uma reviravolta na forma como o homem lida com a própria mente. Com elas, surgiram diagnósticos e, principalmente, drogas que prometem reorganizar psiques alteradas. Esses tratamentos, porém, dividem opiniões e têm, cada vez mais, seus benefícios colocados em xeque.

O excesso de prescrição e de ingestão é um dos principais argumentos de especialistas como Peter Gotzche, diretor do Nordic Cochrane Centre, ligado ao Hospital Nacional da Dinamarca. Segundo ele, 98% do consumo das substâncias psicotrópicas poderia ser interrompido sem prejuízo aos pacientes. Gotzche diz ainda que os ensaios clínicos para validar as drogas subestimam os danos e exageram os benefícios. Um outro grupo de especialistas — entre eles, Allan Young, professor e diretor do Centro de Distúrbios Emocionais da King’s College London, no Reino Unido — diverge dessa opinião. Desde que cuidadosamente prescritos, defendem, esses remédios proporcionam alívio a quem realmente precisa deles. Eles ponderam, porém, que a diferença entre o veneno e o remédio é a dose.

Young e Gotzche esquentaram o debate após exporem recentemente as opiniões distintas no periódico The British Medical Journal. Gotzche diz que, anualmente, 500 mil pessoas morrem em decorrência da ação de medicamentos psiquiátricos no mundo ocidental. Para que tantas vidas fossem sacrificadas, argumenta, os benefícios deveriam ser colossais. “Mas eles são, no mínimo, exagerados”, critica. Segundo o especialista, quase todos os testes clínicos para a aprovação dos psicotrópicos são tendenciosos por incluírem pacientes já submetidos a esses tratamentos, muitos, inclusive, viciados na substância avaliada. Por isso, é natural imaginar que os sintomas piorem quando elas são retiradas. Há, portanto, diz Gotzche, uma incidência maior de suicídios entre os usuários desses medicamentos. Os casos seriam subnotificados por pressão da indústrias farmacêuticas.