° / °
Esportes DP Mais Esportes Campeonatos Rádios Serviços Portais

Artigo: Esfriaram o Caldeirão da Ilha

"É impossível falar em resgatar o 'espírito da Ilha' sem resgatar também o respeito pela própria história"

Por Beto Lago

Torcida do Sport nas arquibancadas da Ilha do Retiro

Por Beto Lago

A Ilha do Retiro sempre foi mais do que um estádio. É um símbolo. Um território sagrado do futebol nordestino, um espaço onde o Sport moldou sua identidade e construiu sua grandeza. Durante décadas, o gramado da Ilha foi o palco onde o impossível se tornava rotina. Onde o grito do “cazá, cazá, cazá” se confundia com o barulho das redes balançando. Onde o adversário sentia o peso de estar diante de um clube que, em casa, raramente perdoava.

Foi ali, em 1987, com o gol de cabeça do zagueiro Marco Antônio que o Sport ergueu o troféu mais cobiçado do País. O título brasileiro conquistado diante do Guarani não foi apenas uma vitória esportiva — foi um manifesto de afirmação. O Leão rugiu contra a desorganização, contra a arrogância do eixo, contra os que duvidavam do Nordeste. A Ilha pulsava, vibrava, empurrava. Era o Caldeirão em sua essência: o adversário mal pisava no gramado e já sentia o jogo perdido.

Duas décadas depois, em 2008, o cenário se repetiu. Naquela noite de junho, o Corinthians sucumbiu diante de uma força invisível, que vinha das arquibancadas. A Ilha do Retiro virou um vulcão. Quando Enílton e Carlinhos Bala marcaram os gols do título da Copa do Brasil, o estádio inteiro parecia tremer. A Ilha era o Sport, o Sport era a Ilha. E o torcedor sentia, com razão, que em casa o Leão era imbatível.

Mas o tempo passou, e o Caldeirão, que um dia queimava adversários, hoje parece morno. Após o empate diante do Ceará, foram 13 jogos disputados como mandante neste Brasileirão de 2025 e o Sport venceu apenas uma vez. Uma única vitória. Um número que não combina com a história, com o peso da camisa, com o orgulho da torcida. Foram ainda sete empates e cinco derrotas.

Algumas dolorosas, como o 4x0 sofrido diante do Cruzeiro, na estreia de António Oliveira. Outras constrangedoras, como as diante do RB Bragantino e do Vasco da Gama, marcadas por apatia e erros coletivos. E há aquelas que doem mais: partidas em que a vitória estava nas mãos e escapou, como contra São Paulo e Santos.

A Ilha, que sempre foi reduto de resistência, hoje vê o adversário jogar com liberdade, trocar passes, se impor. Algo impensável nos tempos em que o torcedor rubro-negro, de pé, empurrava o time até o último minuto — e, muitas vezes, virava o jogo no grito.

A pergunta é inevitável: o Caldeirão perdeu seu encanto?

A resposta, apesar dos números, é não. O que falta não é torcida. O Sport continua levando um público expressivo, mesmo sendo lanterna desde as primeiras rodadas. A Ilha ainda canta, ainda pulsa, ainda tenta incendiar o que resta em campo. Mas o fogo que vem das arquibancadas não encontra combustível dentro das quatro linhas.

Falta alma. Falta identidade. Falta futebol. E falta, principalmente, gestão no futebol.

O Sport de hoje é um reflexo de decisões ruins acumuladas. A desconexão entre o time e o torcedor é consequência direta de uma direção que parece ter esquecido o valor simbólico do estádio, o peso da camisa, o que representa jogar na Ilha do Retiro.

É impossível falar em resgatar o “espírito da Ilha” sem resgatar também o respeito pela própria história. O Sport já foi o clube que transformava pressão em energia, sofrimento em motivação. Hoje, parece transformar esperança em frustração. Não é à toa que por R$ 3 milhões, os dirigentes trocam sua força, sua identidade, sua história para levar a partida contra o Flamengo, um dos mais tradicionais adversários na história recente do clube, para a Arena de Pernambuco. E pior: no dia do aniversário do clube carioca, com direito a um grande público do rival e uma festa preparada especialmente pelos organizadores que compraram a operação deste jogo.

O Caldeirão não perdeu seu encanto. Ele foi abandonado por quem deveria protegê-lo. E o resultado está aí: apenas uma vitória em casa, em um campeonato em que o torcedor continua fiel, presente, acreditando no milagre que o futebol já lhe proporcionou tantas vezes.

Reerguer o Sport passa por reconectar o time à Ilha. Fazer o jogador entender o que representa vestir essa camisa ali dentro. Fazer a direção compreender que o clube não é apenas um CNPJ — é uma paixão coletiva, que se manifesta em concreto, ferro, arquibancada e suor.

O dia em que o Sport voltar a respeitar sua própria história, o Caldeirão vai voltar a ferver.
Até lá, como diria o saudoso amigo e um dos maiores comunicadores do Estado, Paulo Marques, “contra fatos, não há argumentos.”

Jornalista e colunista do Diario de Pernambuco