Beto Lago: 'Um bate papo com o técnico Dorival Júnior'
O treinador do time paulista tem um capítulo especial na história do clube, afinal, foi sob o seu comando que o Sport viveu uma passagem vitoriosa em 2006
Um olhar para a base
No domingo pela manhã, estive no hotel onde o Corinthians estava hospedado para encontrar o amigo Dorival Júnior e entregar a ele o livro “Sport, Uma Razão Para Viver”. O treinador do time paulista tem um capítulo especial na história do clube, afinal, foi sob o seu comando que o Leão viveu uma passagem vitoriosa em 2006. Entre fotos e cumprimentos de torcedores, a conversa com Dorival trouxe reflexões que precisam, urgentemente, ser debatidas de forma mais ampla no futebol brasileiro. O primeiro ponto foi o limite de jogadores estrangeiros em atividade nas equipes. Hoje, com a permissão de até nove atletas de fora, Dorival teme que a balança penda contra a formação local. Em outras palavras, o Brasil corre o risco de deixar de ser celeiro de craques para se tornar apenas consumidor de talentos prontos, sem ter a mesma capacidade financeira de competir com os clubes europeus ou do Oriente Médio. Essa preocupação não é nova no futebol mundial. A Itália viveu um cenário parecido nas décadas de 1990 e 2000, quando abriu de maneira quase irrestrita o mercado para estrangeiros. O resultado foi sentido na Seleção: após conquistar a Copa do Mundo de 2006, o país entrou em declínio técnico, ficando de fora de duas Copas consecutivas (2018 e 2022). A base ficou sufocada e perdeu espaço para a importação desenfreada.
Metodologia mais clara e moderna
O segundo ponto destacado por Dorival é igualmente crucial: o trabalho de base dos clubes. Ele defende a necessidade de uma metodologia clara e moderna, que valorize a essência do jogador brasileiro. Questiono muito ao ver um garoto com drible fácil e os treinadores insistem em “engessá-lo” nas pontas, em vez de lapidá-lo como um meia criativo ou articulador. Essa visão pragmática, focada em funções táticas, acaba anulando talentos que poderiam se tornar diferenciais. Sem uma política de revelação, perderemos o que foi nossa marca registrada: a criatividade, a ousadia e a capacidade de formar jogadores que encantam o mundo.
Trabalho de renovação na Seleção
Outro tema da conversa foi o período em que Dorival esteve no comando da Seleção Brasileira. Ele reconhece que contou com o apoio de Ednaldo Rodrigues, então presidente da CBF, mas sabia que sua missão era árdua: conduzir uma renovação que exigia paciência e coragem. A campanha na Copa América acabou sendo um retrato das dificuldades desse processo. Sentiu a ausência de nomes fundamentais da espinha dorsal da equipe (Alisson, Casemiro e Neymar), o que limitou o rendimento do time e fragilizou o projeto de renovação.
Os ciclos ficam prejudicados
Não há como manter gerações eternas, e a cada mudança é necessário tempo para que os jovens encontrem espaço e confiança. O desafio de Dorival Júnior na Seleção Brasileira era justamente dar lastro a essa nova geração, construindo uma identidade que não dependesse exclusivamente de uma ou duas estrelas. Não conseguiu. Tudo isso reflete um problema estrutural: sem planejamento a médio e longo prazo, cada ciclo fica refém de resultados imediatos e sacrifica o futuro em nome do presente.