O paradoxo do Brasil e sua política ambiental
Sérgio Ricardo Araújo Rodrigues
Advogado e professor universitário
O Brasil vive um paradoxo ambiental às vésperas da COP30 — a conferência climática da ONU que será sediada em Belém, em novembro de 2025. Enquanto o país se prepara para ser vitrine global da luta contra as mudanças climáticas, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei apelidado por ambientalistas de “PL da Devastação”, que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental
Em linhas gerais, a proposta:
Cria um novo tipo de licença especial, que autoriza obras e empreendimentos de forma mais rápida, independentemente do impacto ambiental, desde que a construção seja considerada estratégica pelo governo federal;
Dispensa a necessidade de licenciamento ambiental para ampliação de estradas e atividades de agricultura e pecuária; A licença fica dispensada também para sistemas e estações de tratamento de água e esgoto até que o Brasil atinja as metas de universalização do saneamento básico previstas em lei. Assim como para barragens pequenas de irrigação que têm por objetivo levar o abastecimento de água para os municípios e também para a pecuária- na criação de animais, como o gado. Para aterros sanitários, ainda será exigida a licença;
Libera a renovação automática da licença ambiental, por igual período, a partir de declaração do empreendedor, feita pela internet, desde que o porte da atividade nem a regra ambiental tenham sido alterados
Nacionaliza a autodeclaração, uma autorização quase que automática emitida após o envio da documentação, no caso de licença ambiental para projetos de médio porte com potencial poluidor. Os estados já utilizam este tipo de modalidade;
Parlamentares excluíram do projeto a obrigatoriedade de aplicação das regras do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para licenciamento de atividades de mineração de grande porte ou de alto risco. Esse trecho retira poder do órgão, o transferindo para os estados. Portanto, a mineração fica submetida às novas regras do projeto;
A proposta exclui a necessidade de aprovação por um órgão federal, no caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do corte de vegetação da Mata Atlântica, deixando a autorização somente nas mãos de estados e municípios. O projeto anula dois trechos da Lei da Mata Atlântica, que restringem a derrubada de matas primárias e secundárias do bioma;
O texto desconsidera as terras de comunidades tradicionais, ainda pendentes de título, no pedido de autorização do licenciamento. Valeriam para a análise do órgão competente apenas áreas protegidas de terras indígenas homologadas e territórios quilombolas oficializados.
A aprovação do projeto gerou forte reação da sociedade civil, com mais de 350 organizações pedindo veto presidencial.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, classificou o texto como inconstitucional e um “tiro no pé” para a imagem do Brasil.
O Observatório do Clima e o Greenpeace alertam que o projeto estimula o desmatamento e agrava a crise climática, comprometendo os compromissos do país no Acordo de Paris.
Licenças por autodeclaração e decisões políticas sobre projetos “estratégicos” abrem brechas para favorecimentos indevidos.
A falta de transparência e controle técnico fragiliza os órgãos ambientais e a governança climática.
A exclusão de comunidades indígenas e universidades do debate enfraquece a construção de políticas públicas eficazes.
A COP30 é uma oportunidade histórica para o Brasil liderar pelo exemplo. Mas com esse projeto aprovado, o país corre o risco de ser visto como incoerente em sua política ambiental.
Enfim, onde passa um boi, passa uma boiada.