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Niède Guidon, um legado para o Brasil

Múcio Aguiar Jornalista, com doutoramento em Ph.D em arqueologia pela Universidade de Coimbra. Membro da Sociedade de Arqueologia Brasileira e da Associação dos Arqueólogos Portugueses

Por Diario de Pernambuco

Niède Guidon

Vários jornais publicaram “morreu aos 92 anos, em São Raimundo Nonato, no Piauí, a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon”. Professora universitária e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, grande oficial da Ordem Nacional do Mérito Científico, formou uma geração de arqueólogos e com ela tive a oportunidade de dividir a publicação Brasil, Patrimônio Cultural e Natural, livro publicado pela empresa Gás Natural, em comemoração aos 500 anos do Brasil, com prefácio do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em 1959, se especializou em arqueologia pré-histórica em Paris, em 1973 foi para São Raimundo Nonato, onde ficou por toda a vida. Em 1979, Niède conseguiu do governo brasileiro a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, em uma área de 129 mil hectares, e, na década de 1980, fundou o Museu do Homem Americano.

Em entrevista para a Revista Pesquisa Fapesp, Niède afirma que era pesquisadora do Centre National de La Recherche Scientifique “era assistente da grande arqueóloga francesa Annete Emperaire, que procurava vestígios do homem mais antigo das Américas. Annete já havia estado na Patagônia e, em solo brasileiro, seu maior interesse era a região de Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte, onde se acreditava estarem os resquícios mais antigos de ocupação humana em terras nacionais”. Para Annete, Niède disse “Preparo tudo para você ir a Lagoa Santa, mas vou para o Piauí”, onde existe um rico complexo de pinturas rupestres.

Para a arqueóloga, a região por ela estudada indica que o homem chegou à região há cerca de 100 mil anos, tese alvo de várias controvérsias entre pesquisadores. Niède acreditava que o Homo sapiens teria vindo da África por via oceânica, atravessando o Atlântico, quando uma grande seca assolou no continente africano e o homem teria ido para o mar procurar comida.

Na revista Nature, em 1986, Niède publicou artigo revelando vestígios de fogueiras no sítio arqueológico do Boqueirão da Pedra Furada com datação de 32 mil anos AP (antes do presente). Ainda para a revista da Fapesp, Niède defende sua tese afirmando que “Paleontólogos que trabalham no Acre descobriram macacos que passaram da África para o Brasil há 20 milhões de anos...se os macacos passaram, será que o Homo sapiens não foi capaz de passar?”.

Um outro importante nome da arqueologia brasileira, Walter Neves, questionava as descobertas de Niède, mas em 2010 escreveu que estava convencido em 99,9% com as consistências delas.

O falecimento de Niède Guidon, no último dia 4, foi uma triste notícia para os pesquisadores brasileiros, que têm nela um exemplo de firmeza e coragem na luta pela ciência. Sua morte não é o fim de um legado, mas um novo capítulo para a nossa historiografia, que poderá nomeá-la patrona da arqueologia brasileira.