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Bebês reborn: os dois lados da febre que tomou conta do Brasil

Bonecos extremamente realistas têm causado confusão e ganhado manchetes ao redor do país

Por Anna Dulce

Os bebês reborn têm tomado conta das discussões online nos últimos tempos


Troca de fraldas, alimentação específica, idas ao pediatra… A rotina de pais de bebês recém-nascidos é notoriamente exaustiva, e só pode ser de fato compreendida por aqueles que a experimentam. Nos últimos anos, contudo, outro grupo de pessoas passou a incluir essas atividades no seu dia a dia, dessa vez de uma forma que costumava permanecer na infância: brincando de boneca.

Os bebês reborn, como são chamados bonecos extremamente realistas que podem, inclusive, ser confundidos com crianças humanas, têm tomado conta das discussões online nos últimos tempos. Sua presença na sociedade, embora não seja novidade, ganhou manchetes graças a “adoção” de famosos como o padre Fábio de Melo e a influenciadora Gracyanne Barbosa, além da divulgação de histórias de pessoas que levam a atividade para um lugar considerado por muitos como longe demais.

Na Bahia, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, uma das mais tradicionais de Salvador, emitiu um comunicado afirmando não realizar batismos de bebês reborn. “Os sacramentos da Igreja são atos sagrados e devem ser tratados com o máximo respeito. O batismo, em especial, é um rito solene destinado a pessoas reais, marcando o início da vida cristã. Por isso, não realizamos batismos nem qualquer atendimento religioso relacionado a bonecas "reborn" ou objetos semelhantes. A nossa fé está centrada na vida e dignidade humanas. Agradecemos a compreensão", divulgou em nota.

Já em Itajaí, no Litoral Norte de Santa Catarina, uma mulher levou um bebê reborn para tomar vacina em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), pedindo que a aplicação fosse simulada para que ela pudesse filmar e postar nas redes sociais. Ao ouvir uma resposta negativa, ela causou uma pequena confusão com os profissionais de saúde presentes no local.

A comoção envolvendo esses brinquedos chegou, inclusive, ao Congresso, com dezenas de projetos de lei que proibem o atendimento de bebês reborn em equipamentos de saúde pública protocolados em casas legislativas de todo o país apenas nas últimas semanas.

Em Pernambuco, o deputado Romero Albuquerque (União Brasil) apresentou o Projeto de Lei Ordinária nº 2923/2025, que prevê uma multa administrativa de até 20 salários mínimos para quem realizar esse tipo de prática.

“O meu projeto de Lei estabelece multa que pode passar dos R$ 30 mil para quem tentar brincar com coisa séria. Quem for pego tentando garantir direitos, como prioridade em filas e atendimento em hospitais, com um bebê reborn tentando simular uma criança de carne e osso, será denunciado e pagar multa de até 20 salários mínimos ou mais, no caso de reincidência!”, escreveu o deputado em postagem nas redes sociais.

O deputado Coronel Alberto Feitosa (PL), por sua vez, deu entrada em dois projetos de Lei sobre o tema: o PL nº 2925/2025, que proíbe o atendimento de bebês reborn nos serviços públicos estaduais, especialmente os de saúde, e o PL nº 2926/2025, que amplia a proibição do uso de bonecos para conseguir benefícios sociais ou fiscais destinados a crianças reais.

Já na Câmara Municipal do Recife, o vereador Gilson Machado Filho (PL) protocolou um projeto que institui multa administrativa para quem utilizar bebês reborn em espaços públicos com o objetivo de se beneficiar de serviços de atendimento após, segundo ele, conversar com médicos da rede municipal que relataram casos de pessoas levando os brinquedos para serem atendidos como se fossem pacientes reais.

O tratamento de bonecos como bebês humanos por adultos, segundo a psicóloga Brunna Lima, pode ter diferentes explicações. “Muitas vezes, o bebê reborn representa a possibilidade de retomar um papel de cuidado, afeto e vínculo que foi central em algum momento da vida — especialmente para mulheres que foram mães ou cuidadoras por longos períodos”, explica, mencionando, ainda, a conexão com memória afetiva e a compensação emocional como causas do comportamento visto com olhos estranhos por grande parte da sociedade.

“Em situações de solidão, luto, síndromes demenciais, ou quadros depressivos, o bebê pode funcionar como um objeto transicional — ou seja, um intermediário entre a fantasia e a realidade, que ajuda a lidar com perdas ou vazios afetivos”, comenta. “Além disso, o brinquedo pode despertar memórias de momentos felizes, ou de fases em que a pessoa tinha um papel mais ativo ou sentido de pertencimento. Para alguns, é uma forma de manter viva a conexão com filhos, netos, ou até com a própria infância”.

Para Brunna, a relação de pessoas adultas com bebês reborn se torna prejudicial quando substitui completamente vínculos humanos – um indicador de possível isolamento social extremo –, ou é marcada por uma negação da realidade, especialmente se há rigidez na fantasia, como tratar o boneco como se fosse um bebê real em todas as situações.

Não é por isso, no entanto, que o apego de adultos com bonecos é sempre uma coisa negativa. “Mesmo nesses casos, o bebê pode funcionar como um recurso terapêutico paliativo, acalmando e organizando a pessoa emocionalmente”, explica a psicóloga, que cita a atividade de forma positiva quando proporciona conforto emocional sem gerar prejuízo funcional, é uma escolha consciente e não exclusiva – ou seja, a pessoa ainda se relaciona com o mundo ao redor – e é respeitada como uma forma de expressão afetiva.

Os bebês reborn, segundo Brunna, podem ajudar por várias vias, incluindo a regulação emocional, quando ajudam a reduzir ansiedade, solidão e angústia, oferecendo uma sensação de companhia, o estímulo cognitivo e sensorial, uma vez que, para idosos com demência, segurar, vestir e cuidar do bebê pode estimular a memória procedural e habilidades motoras, a canalização do afeto, quando oferecem um objeto seguro para expressar afeto, carinho e cuidar, e a ressignificação do luto, uma vez que, para algumas pessoas, especialmente mães enlutadas, essa pode ser uma forma simbólica de lidar com a ausência.

Casos como esses são vistos frequentemente por Diogo Leal, fundador da loja “O Mundo da Bebe Reborn”, localizada no Centro do Recife e dona de quase 30 mil seguidores no Instagram.

Com cara de maternidade, dezenas de bonecos espalhados por todos os cantos e um cheiro de bebê pairando no ar, o espaço busca transportar seus clientes para outra realidade, simulando inclusive os batimentos cardíacos dos “recém-nascidos” que, quando adquiridos, vêm com documentos como certidão de nascimento e teste do pezinho.

“As pessoas que estão aqui meio que esquecem que estão em Recife. Hoje, estando aqui na loja, existem pessoas que já começam a esquecer daquele estresse, aqueles problemas do dia a dia”, conta Diogo, que já assistiu seu trabalho ajudar a transformar vidas.

Em um desses casos, uma mulher de 70 anos comprou uma bebê reborn para o seu pai, um senhor de 93 anos que lutava contra o Alzheimer. Depois, mandou um vídeo para a loja mostrando os resultados do investimento. “Ela é quem incentiva ele a comer. Ele agora está calmo, brando, toma banho porque a menina toma banho. Ele está usando fralda, e não queria usar, mas a menina também usa fralda”, conta nas imagens enquanto mostra todos – inclusive a boneca – sentados à mesa na hora do café da manhã.

Diogo também destaca a relação da sua própria mãe, Edineusa Leal, de 73 anos, com os bonecos dos quais ele passou a cuidar com carinho quando passou a ajudar na loja de bebês reborn. “Essa loja ajuda muito ela a viver, sabe? Meu pai já é um senhor de idade, fica ali no trabalho dele, e ela ficava meio que como secretária dele. Então, essa loja é uma vida pra ela”, conta.

É Vovó Dina, como é conhecida pelos clientes, que cuida dos bonecos como filhos, escolhendo suas roupas, os mantendo limpos e bem cuidados, e constantemente buscando por novidades para seus clientes. “Quando chegavam aqui, eu ajeitava, eu mudava, cortava até cabelo, principalmente quando os meninos vinham com o cabelo desajeitado, eu cortava os cabelinhos, aí já ficava mais bonitinho, parecendo mais com um menino”, relembra os dias iniciais do seu trabalho com bebês reborn.

“Elas me ajudam muito. Pra mim é uma terapia, né? Às vezes chega umas muito brancas, aí eu dou um jeitinho, boto uma corzinha nelas, sabe? Eu fui na internet ver como é que colocava cílios. E ver também as crianças, o jeito que elas ficam”, reflete sobre a sua rotina.

Assim como Dina e Diogo, milhares de profissionais trabalham na indústria dos bebês reborn em todo o Brasil. Além dos revendedores, existem as chamadas “cegonhas” – artesãs responsáveis pela fabricação dos bonecos –, e influenciadores que construiram uma forte presença online falando sobre essa cultura.

Através deles, pessoas até então distantes do universo reborn passam a fazer parte desse mundo, acompanhando aqueles que já são donos de um boneco e até mesmo os comprando para si. No caso de Fátima Moutinho, de 65 anos, tudo começou através de uma rifa.

Em um ano, a recifense já ganhou cinco bonecas em sorteios online, inclusive no primeiro de que participou. “Chega pelo correio. A boneca vem super embalada. Vem com a roupa completa, a chupeta, a mamadeira”, explica.

Dos bebês reborn que Fátima ganhou, dois já estão com crianças da família, mas três permanecem em sua casa. “Duas meninas e um menino. Eles ficam no meu quarto, em um móvel, exibindo”.

Cada vez mais interessada em bebês reborn, Fátima representa um grupo de pessoas inserido em um universo que só cresce. Entre exageros, polêmicas, legislações e histórias emocionantes, os brinquedos continuam a se inserir na vida daqueles que procuram por conexão, mesmo que ela venha, às vezes, em forma de um boneco.