'Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out' é o mais ambicioso da franquia de Benoit Blanc
Novo filme da série de mistérios liderados pelo detetive vivido por Daniel Craig desafia credos dos personagens em trama tão afiada quanto surpreendente
Dando continuidade ao que se tornou a mais popular saga de mistério policial do cinema contemporâneo, Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out coloca Benoit Blanc diante de seu caso mais existencial até agora. E quanto mais absurda a mágica, maior a curiosidade para demonstrar o maquinário do truque.
O detetive vivido por Daniel Craig é chamado para desvendar um aparente "crime impossível": o assassinato de um padre durante um sermão diante de todo o rebanho da igreja. A chegada do jovem padre Jud (Josh O'Connor) ao lugar parece ter deflagrado uma teia complexa de situações — que envolve desde segredos paroquiais ocultos até sugestões sobrenaturais que a polícia não é capaz de solucionar.
Entre Facas e Segredos (2019), o primeiro da franquia, usava o mote do mistério para expor o desespero da elite pela manutenção de seus privilégios, enquanto Glass Onion (2022), o segundo, satirizava o universo dos magnatas da tecnologia. Desta vez, Rian Johnson coloca o dedo na ferida da religião e critica sem rodeios a instrumentalização da fé em discursos de ódio, interesses financeiros e vaidade pessoal.
Assim como nos demais filmes da série, porém, a questão da pauta da vez não é um fim em Vivo ou Morto, mas, sim, parte da costura. Com o senso de humor permanentemente afiado e uma abordagem estética que concilia leveza e refinamento, o filme comenta assuntos diversos dentro desse macrotema da fé, tendo o reverendo Jud como bússola.
Nos outros filmes da saga, o roteiro elegia um suspeito fácil para servir de fio condutor e, assim, desconstruir toda a teia de enigmas em volta. Em uma história sobre o credo posto em cheque, nenhuma figura melhor para isso do que um padre moralmente tão cheio de dúvidas e ambiguidades. Ganhando mais um papel de destaque este ano, após The Mastermind e A História do Som, Josh O'Connor toma a empatia da plateia e corre com ela debaixo do braço, mesmo quando o personagem parece ganhar contornos sombrios.
A narrativa explora sua galeria de suspeitos — entre eles Martha Delacroix (Glenn Close), Dr. Nat Sharp (Jeremy Renner), Vera Draven (Kerry Washington), Lee Ross (Andrew Scott), Simone Vivane (Cailee Spaeny), Cy Draven (Daryl McCormack) e Samson Holt (Thomas Haden Church) — com uma caracterização mais detalhada e integrada ao mistério do que a dos antecessores. A maior duração e a concentração de força dramática naquele rebanho da igreja são essenciais para que Vivo ou Morto tenha mais tração narrativa, especialmente em comparação com o segundo filme da franquia.
Apesar de não reinventar nada, Rian Johnson consegue, a cada filme, subverter tropos e lições do whodunnit sem quebrar regras básicas do gênero: o detetive e os policiais nunca podem ser suspeitos; qualquer sugestão fantasmagórica precisa ser eventualmente elucidada, já que saídas sobrenaturais jogariam toda a investigação fora; todas as pistas devem levar a algum lugar, nem que ele seja apenas outra pista; sobretudo, não mostrar em tela como verdade algo que será mais tarde dado como mentira.
A ambição de Vivo ou Morto está em esticar as cordas dessas regras, criando uma sequência de viradas que desafia até os espectadores mais sagazes. Não poderia haver comentário melhor sobre a instrumentalização da credulidade alheia do que utilizar as próprias ferramentas do gênero para direcionar o olhar do público em diferentes direções e, no 'momento da revelação' — policial ou divina —, desvendar a ilusão.