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Música do coração: rappers surdos reinventam estilo com Slam das Mãos

Grupo de rappers surdos foi criado por alunos e ex-alunos do curso de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Por Marília Parente

Rap em Libras fortalece a identidade e cultura surda

Um grupo de rappers surdos ensaia em frente ao Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Olhos esbugalhados, peitos estufados e mãos entrelaçadas num vai-e-vem de sentidos que desafia a limitação da palavra. Para quem assiste ao espetáculo sem dominar a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a experiência é intranquila como um segredo. Há oito anos, essa cena se repete no local, onde alunos e ex-alunos de Letras fundaram o Slam das Mãos, um projeto coletivo de poesia de rua voltado para pessoas surdas.

A ideia surgiu em 2017, depois que um dos professores do curso, Cristiano Monteiro, conheceu uma iniciativa similar em São Paulo. “[Sinal de coração]. Eu já me considerava um poeta, em vários gêneros literários, mas o slam é muito diferente. Muito impactante”, conta Cristiano, em entrevista concedida ao Diario de Pernambuco com a ajuda da intérprete Monique Marie Andrade Lima, que também integra o Slam.

Em um primeiro sarau organizado no Marco Zero, Bairro do Recife, os primeiros participantes do grupo se conheceram. Depois do evento, vieram outros encontros, projetos culturais em conjunto e os primeiros recursos financeiros.

"Autores importantes acreditam que a língua de sinais utiliza expressões físicas, orientação da palma da mão e movimentação. O corpo e os movimentos também são linguística. Existe uma estrutura, uma gramática e também uma poesia na nossa língua", destaca o professor.

Nascido surdo, Cristiano repete algumas vezes durante a entrevista que a Libras é sua língua materna, enquanto a língua portuguesa escrita funciona como um segundo idioma. Assim como na linguagem oral, a língua de sinais oferece coloquialismos, gírias, metáforas e figuras de linguagem de difícil interpretação para quem não domina a cultura surda.

No Slam das Mãos, as poesias absorvem, inclusive, influência da língua de sinais norte-americana, a exemplo do que acontece com o rap oralizado. “Na língua brasileira de sinais, existe uma forma de se comunicar mais formal. A gente modaliza isso, coloca as coisas de forma mais poética”, acrescenta Cristiano.

De acordo com o professor, na língua de sinais o ritmo da poesia também é fruto das expressões e sinalizações do artista. “Em uma disputa, os jurados também avaliam esse impacto na apresentação. Há estética”, acrescenta.

 

Som do coração

O silêncio absoluto acompanha Samuel Feijó, integrante do Slam das Mãos, desde seu nascimento. Para ele, o som é vibração sentida na pele, imaginação que conduz a dança, parede atravessada pela poesia. “É como se o mundo dos ouvintes fosse outro mundo. Quando estou com meus colegas do Slam, estou em casa”, resume.

Até conhecer Cristiano, seu ex-professor no curso de Letras, Samuel não sabia que existia literatura para surdos. Expressando-se em português escrito, ele era como um estrangeiro aprisionado a uma estrutura que não dava vazão às sutilezas da alma. “Minha escrita era diferente, tinha um conflito. Quando eu conheci a língua de sinais, me senti pertencente a uma comunidade. Comecei a fazer poesia”, diz.

No rap, o jovem prefere improvisar sobre temas conhecidos e ressalta sua experiência visual no mundo. “Olho como se fosse uma grande pintura”, complementa.

Identidade

Para o rapper Alisson Felipe Santana, os encontros proporcionados pelo Slam são momentos de fortalecimento de sua identidade. Ultimamente, sua poesia tem refletido as discussões sobre surdez e racismo em que se engajou na internet. “Me percebo como surdo, negro e resistente”, afirma.

Os acesso aos fóruns online aconteceu durante a pandemia de Covid-19. Era a primeira vez que ele tinha acesso a um debate sobre a surdez conduzido por pessoas negras. “Antes, eu não me identificava com a conversa. Hoje, represento minha identidade no rap”, conclui.

Evento

A partir das 17h do dia 23 de novembro, o Slam das Mãos se apresenta no Festival Consciência Hip-Hop, uma celebração das expressões do povo negro. o evento acontecerá na Rua Esperança, no calçadão de Porto de Galinhas, em Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco.