Documentário 'Com Hasan em Gaza' mostra imagens inéditas da cidade palestina
Filme foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Um registro inédito de três fitas MiniDV do diretor palestino Kamal Aljafari mostra o cotidiano em Gaza durante o ano de 2001. À procura de um amigo pelas ruas da cidade, sem qualquer informação completa, Com Hasan em Gaza, filme exibido na programação da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, revela um cotidiano que serve como vislumbre do que um dia essa terra uma dia já foi.
Boa parte da força do filme se dá justamente pela nossa consciência do que viria a cometer a região duas décadas depois. O horror plantado desde cedo pelos assentamentos israelenses e a sensação de muralhas em volta (de uma “prisão sem administração”, como afirma o próprio cineasta) se faz presente de modo insidioso.
O público fica esperando a violência se manifestar a qualquer momento, mas o fato de tudo se concentrar nessa dinâmica de observação dos cenários e das pessoas comuns é o que, novamente, torna o saldo, em retrospecto, tão perturbador. Acostumados a valorizar e vivenciar experiências cinematográficas que retratam o horror da guerra, suas causas e consequências, o espectador contemporâneo parece cada vez mais distanciado das pessoas e dos lugares reais. Nos esquecemos o que eles um dia foram antes de se tornarem normalizados como cenários apocalípticos.
Com todas as suas naturais limitações como filme-arquivo (com vários momentos um pouco mortos e não tão interessantes), Com Hasan em Gaza é um excelente lembrete não apenas do que ocorre com a população palestina há muito tempo, mas principalmente dos lugares e vidas que praticamente se habituam a existir sob a tensão de uma violência explosiva — de uma ocupação inexorável dela no dia a dia (coisa que o excepcional documentário Sem Chão, vencedor do Oscar, expõe ainda melhor).
Não deixa de ser indivisível a relação entre o impacto do filme e o mundo atual que o cerca, mas existe, sim, um mérito artístico muito evidente no olhar do diretor sobre as estradas, e uma calma sombria nesse registro da paisagem que deixa uma impressão para bem depois de os longos créditos subirem.