Em 'Blue Moon', Ethan Hawke brilha com todos os tons de graça e melancolia
Dirigido por Richard Linklater (da trilogia 'Antes' e 'Boyhood: Da Infância à Juventude'), cinebiografia 'Blue Moon' retrata compositor Lorenz Hart ao longo de uma noite
Apesar de uma carreira tragicamente interrompida por uma morte precoce aos 48 anos, o novaiorquino Lorenz Hart é, com todo o mérito, considerado um dos grandes nomes da Era de Ouro da música norte-americana. Canções como 'The Lady Is a Tramp' e 'My Funny Valentine', do musical Babes in Arms, 'Isn't It Romantic?', de Ama-Me Esta Noite, e, claro, 'Blue Moon', um de seus maiores sucessos independentes, tornaram-se ícones nas vozes mais famosas do mundo.
A parceria de Hart com o compositor Richard Rodgers, particularmente, resultou em centenas de músicas levadas ao teatro e ao cinema, e consagradas na cultura pop até hoje. Rodgers, porém, realizou um de seus maiores hits — Oklahoma!, musical lançado em março de 1943 — em colaboração com Oscar Hammerstein II.
É, pois bem, na noite da grande estreia desse fenômeno da Broadway que Blue Moon, trazido ao Brasil pela 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ambienta a cinebiografia do falante e reconhecidamente melancólico artista. Interpretado por Ethan Hawke, parceiro de longa data do diretor Richard Linklater (com quem fez a trilogia Antes e o multi-premiado Boyhood: Da Infância à Juventude), Hart já começa o filme falando sem parar no bar Sardi, onde vai acontecer a festa de celebração de Oklahoma!.
A amargura de Lorenz Hart com o êxito de seu antigo parceiro, com quem colaborou por mais de duas décadas, é o que marca o texto de todo o quase monólogo da primeira metade de Blue Moon. O senso de humor afiadíssimo, no entanto, confere ao trabalho de Linklater uma espirituosidade que gradualmente se encaminha para a melancolia.
A desafetação do cinema de Linklater — que também lançou este ano Nouvelle Vague, inspirado nas gravações do clássico Acossado — impede que Blue Moon se transforme em um teatro filmado. Mas é a brilhante atuação de Ethan Hawke que, como um maestro das letras, conduz o filme de maneira prazerosa pelas divagações de Hart.
É tão aprazível a presença do ator e suas interações com o barman Eddie (Bobby Cannavale) e Knuckles (Jonah Lees) que, quando o cenário único do longa começa a lotar de personagens (entre eles o próprio Rodgers, vivido por Andrew Scott), parte da graça se perde. A leve queda de ritmo provavelmente ocorre porque a perspicácia do humor do protagonista é substituída por diálogos mais convencionais, que frequentemente tornam até a encenação menos inspirada ou mesmo corriqueira.
O diretor recupera quase completamente a peteca, mas em outro registro, quando entra em cena de fato uma das supostas grandes obsessões da vida de Hart: uma mulher que, no filme, é chamada de Elizabeth. Margaret Qualley ilumina o filme com sua energia "divônica", e o trabalho de proporção do filme, que a deixa muito mais alta do que Hawke, é notável.
Esse desfecho com a musa de ares oníricos é, por si só, de cortar o coração. A sexualidade do personagem sempre foi alvo de muita especulação, e é particularmente bonito como Blue Moon sintetiza seus anseios mais profundos pela beleza, tal qual sua amargura profunda, em uma imagem tão fugidia — e momentaneamente tão palpável — quanto um amor não correspondido.